Desembargadores comprados

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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Desafio a Revista Galileu.

A Revista Galileu publicada em 30/07/2009, traz uma reportagem sobre tráfico de órgãos. Como sempre, podemos ver o "jornalismo" a serviço de traficantes. Faço questão de reproduzi-la na íntegra e depois rebaterei os pontos que julgo importantes.

Vendem-se órgãos

Gente miserável com um rim em boas condições + uma legislação que não coíbe a venda de partes de corpos humanos: essa é a fórmula que viabiliza o tráfico de órgãos no mundo e, mais especificamente, no Brasil

FAUSTO SALVADORI

RÚSSIA >>> Com as condições acima, o necrotério de Lefortovo coleta órgãos que só servem para pesquisa

O estudante Roberto das Dores bem que desconfiou quando a loira de botas matadoras e seios saltitantes que ele havia acabado de conhecer sugeriu emendar a noite no motel. Mas achou que a oportunidade valia o risco. No quarto, aceitou um drinque antes de ir para a cama e, puf, tudo escureceu. Ele só voltou a si na manhã seguinte, dentro de uma banheira cheia de gelo, com cicatrizes no lugar que, outrora, recobria um de seus rins. A polícia localizaria os rins de Roberto três dias depois, guardados numa caixa de isopor ao lado do coração de Lucia, que se perdera dos pais no shopping, e dos pulmões do órfão Pedrinho, adotado por um casal de estrangeiros.

Roberto, Lucia e Pedrinho nunca existiram. Loiras - ou morenas, ou asiáticas, ou negras - apetitosas que roubam rins em motéis são tão irreais quanto traficantes de órgãos que sequestram crianças em shopping centers ou frequentam orfanatos do Terceiro Mundo. Um simples exercício de lógica mostra como essas teorias de conspiração são frágeis, mas vistosas, feito cenário de bangue-bangue.

"Transplante não é um aborto que se possa fazer numa garagem", afirma o nefrologista - especialista em rins - Valter Duro Garcia, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). "É um procedimento complexo, que dificilmente poderia dar certo fora de um centro cirúrgico com uma equipe treinada de médicos e enfermeiros." Mesmo que um bilionário acometido de insuficiência renal resolvesse montar um hospital com mão-de-obra capacitada, o roubo de órgãos continuaria a não ser a melhor opção. Não haveria como saber se o estudante sedado no motel tinha sangue compatível com o do receptor. Assaltar cadáveres como os da foto que abre esta reportagem também não seria uma alternativa viável, já que, com exceção das córneas, a maioria dos órgãos torna-se imprestável assim que o coração para de bater.

AÇOUGUE HUMANO De onde vêm e para onde vão os órgãos transplantados ilegalmente

Oculta sob lendas urbanas, a verdadeira cara do tráfico é tão espetacular quanto qualquer boato. Tome como exemplo uma investigação da Polícia Federal no Recife, realizada em dezembro de 2003. A Operação Bisturi revelou que uma quadrilha liderada por um militar israelense sobrevivente do Holocausto e um capitão reformado da Polícia Militar obteve rins de moradores da periferia da capital pernambucana. Em troca de cachês que começaram em US$ 10 mil e foram caindo até chegar a US$ 3 mil, os brasileiros iam a Durban, na África do Sul. Após uma semana de hospedagem num flat e mais alguns dias em ótimos hospitais, voltavam para o Brasil tendo deixado um de seus rins em corpos de israelenses ou norte-americanos.

Os traficantes pretendiam abandonar a rota sul-africana e fixar-se no Brasil, utilizando um hospital do Recife para a realização de transplantes clandestinos, mas acabaram presos antes de levar o plano a cabo. A conexão Recife-Durban foi destaque na CPI do Tráfico de Órgãos realizada em 2004 na Câmara dos Deputados e evidenciou que o Brasil havia entrado de corpo(s) e alma no mercado negro internacional de órgãos. Não que o País fosse um novato nessa área. Dados do projeto Organs Watch, coordenado pela antropóloga Nancy Scheper-Hughes, pesquisadora da Universidade de Berkeley, na Califórnia, revelam que o Brasil coleciona histórias de roubo de órgãos e tecidos de cadáveres desde o regime militar.

Produto legítimo da globalização, como o Google ou a Al Qaeda, o tráfico de órgãos é uma indústria que usa os corpos de pessoas pobres e saudáveis de países como Índia, China, Moldávia e Brasil como peças de reposição para ricos doentes de Israel, EUA, Europa, Japão. "Em geral, a circulação dos rins segue as rotas estabelecidas pelo capital, do sul para o norte, de corpos pobres para os ricos, de negros para brancos, de mulheres para homens ou de homens pobres para homens ricos", diz Nancy, que percorreu as principais rotas desse comércio, do Bazar de Órgãos de Mumbai, na Índia, às vielas das comunidades pernambucanas.

APARENTEMENTE PARENTE Ao falar sobre o Brasil, Nancy aponta um problema: "Há aí doadores que vendem seus órgãos para supostos parentes". Especialistas suspeitam que a lei 9.434, de 1997, que disciplina os transplantes no País, tenha provocado um boom no mercado negro de compra e venda de rins ao liberar a doação entre pessoas sem parentesco. "A lei brasileira é permissiva. Em vez de proteger, fragiliza os mais pobres", diz o médico Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília.

Em 2002, foram realizados 3.042 transplantes de rins no País. Destes, 60,8% ocorreram entre vivos, segundo dados da ABTO. Em 2008, as cirurgias com doadores mortos deram um salto, passando a responder por 54% dos 3.780 transplantes renais. Nesse ano, dos 1.747 transplantes entre vivos, 1.429 (81,8%) ocorreram entre parentes; as demais doações incluíam não-parentes, cônjuges e pessoas com parentesco não mencionado. Para Garrafa, o aumento no número de doadores vivos tem mais a ver com uma possível corrida às compras de órgãos do que com uma súbita onda de generosidade entre os brasileiros.

Segundo especialista, o tráfico segue as rotas ditadas pelo capital: do sul para o norte, dos mais pobres para os mais ricos, de negros para brancos e de mulheres para homens

Apesar das suspeitas, o número de casos investigados no Brasil é pequeno. Segundo a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, há apenas 17 processos sobre tráfico de órgãos correndo na Justiça Federal. "Esperamos que seja um crime que aconteça raramente, e não que seja raramente descoberto", afirma Mario Luiz Bonsaglia, procurador regional da República da 3ª Região (SP e MS). "A gente tem uma noção, mas não sabe a dimensão do tráfico de órgãos", diz o secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior. Na secretaria, o combate ao comércio humano cabe ao Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que também investiga o tráfico de mulheres para a prostituição e o trabalho escravo. Atualmente, o núcleo está na fase de montar um banco de dados com informações da Justiça e das polícias. "O tráfico de órgãos não é uma lenda urbana. É um problema real que tem feito muitas vítimas, mas no Brasil ainda temos pouco dados sobre esse tipo de crime", afirma o coordenador Ricardo Lins.

PERFIL DE UM VENDEDOR (filipino)
>>> 29 anos >>> Homem >>> Renda familiar anual de US$ 480 >>> Sete anos de estudo
PERFIL DE UM COMPRADOR (israelense)
>>> 48 anos >>> Homem >>> Renda familiar anual de US$ 53 mil >>> Nível universitário

ÍNDIA >>> as cicatrizes pela extração de rins são comuns em Mumbai, maior exportador de órgãos do mundo

CONSPIRAÇÃO? Um sintoma de como a apuração do tráfico de órgãos engatinha no Brasil é o fato de o próprio Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e outras instâncias reconhecerem a freira Maria Elilda Santos, criadora da ONG Organ Traffic, como uma das principais referências do País sobre o tema. Elilda ficou famosa em 2003, ao denunciar supostos casos de tráfico de órgãos na cidade de Nampula, em Moçambique, onde foi missionária. Suas denúncias percorreram a imprensa mundial e viraram assunto até no Parlamento Europeu, mas nunca foram comprovadas.

Galileu passou quatro horas com Elilda, em meio a pilhas de fotos de cadáveres mutilados e outros papéis. Para ela, há uma máfia do tráfico de órgãos que mata pessoas para abastecer o mercado mundial de partes humanas e tem ramificações em praticamente todas as esferas possíveis. Segundo ela, essa máfia já tentou matá-la mais de uma vez. A mesma organização teria levado o médico Drauzio Varella a apresentar uma série de TV sobre transplantes, destinada a fazer o público acreditar que a doação de órgãos é segura. "Você é doador?", ela pergunta. Ao ouvir a resposta, recomenda: "Não deixe ninguém saber que você é doador. Nem seus amigos. Se um dia você precisar usar o pronto-socorro de um hospital, podem matar você para ficar com seus órgãos".

MITO X REALIDADE
REALIDADE >>> Turismo de transplantes >>> Roubo de órgãos (principalmente córneas) de cadáveres

MITO >>> Crianças adotadas por estrangeiros para tráfico de órgãos >>> Pessoas sequestradas e/ou mortas para remoção de órgãos

Para Elilda, não há caso de crimes com cadáveres mutilados que não tenha relação com o tráfico. Mesmo que tenham sido decapitações, como os casos que encontrou em Moçambique. "A indústria médica precisa de cérebros para seus estudos", afirma. Até mesmo Eloá, a menina assassinada pelo namorado em Santo André em outubro de 2008, teria sido mais uma vítima dessa máfia, que provocou sua morte encefálica no hospital para ficar com os órgãos (a bala na cabeça era "só" um detalhe). Aliás, morte encefálica não existe - "é tudo uma invenção da máfia". A freira aparece no livro A World Cut in Two: The Global Traffic in Organs (Um Mundo Cortado em Dois: o Tráfico Global de Órgãos), que Nancy Scheper-Hughes pretende lançar no ano que vem pela University of California Press. As histórias de Elilda estão no primeiro capítulo, que trata dos boatos. Ao narrar um encontro com a freira, Nancy conta como ficou surpresa com a ausência de documentos confiáveis.

Que o diga o promotor público Roberto Tardelli, que investigou uma das denúncias apresentadas por Elilda, sobre um camelô que teria sido assassinado pela tal máfia, interessada em ficar com seus órgãos. Quando a exumação do corpo comprovou que o cadáver estava intacto, Elilda acusou o promotor de fazer parte do esquema. "É a lógica da teoria da conspiração", afirma Tardelli. Ao ler esta reportagem, provavelmente a freira também terá certeza de que Galileu é um dos braços da máfia do tráfico de órgãos.

O que as teorias conspiratórias ignoram é a realidade de um mundo que concentra metade da riqueza em 2% da população, segundo a ONU. No livro "Rim por Rim" (Record), o jornalista Julio Ludemir narra o diálogo entre um dos "doadores" pernambucanos, Gerehmias Berlamino Azevedo Júnior, e uma delegada. Geré diz que se sacrificou para salvar os filhos da miséria. E pergunta: "Vamos dizer que a senhora tenha um filho e uma bala está vindo na direção dele. A única saída que a senhora tem para salvar a vida do seu filho é pular na frente daquela bala. A senhora pularia?". Ninguém precisa sequestrar pessoas para obter órgãos; a miséria tem a força de mil armas.

QUANTO CUSTA UM RIM (em dólares) Órgão responde por 80% desse tipo de comércio no mundo
ESTADOS UNIDOS >>> 30.000 ISRAEL >>> 20.000 PERU/TURQUIA >>> 10.000 BRASIL >>> 6.000 MOLDÁVIA/ROMÊNIA>>> 3.000 ÍNDIA/FILIPINAS >>> 1.500

MEUS COMENTARIOS

O servicinho que a revista se dispõe a fazer é baixo e deve ter sido bem pago. Devemos partir do princípio que um jornalista deve pesquisar e checar suas fontes e informações que recebe, antes de publicá-las. A menos que tenha a intenção de distorcer fatos, como vou demonstrar aqui.

FAUSTO SALVADORI, que assina a matéria, começa criando um cenário de lenda urbana. Uma pessoa é drogada durante uma balada e acorda sem os rins em uma banheira com gelo. Tal historinha foi criada e distribuída muitos anos atrás quando as primeiras denuncias sobre o assunto começaram a vir à tona. Em defesa dos traficantes e por eles mesmos, histórias absurdas e mirabolantes foram espalhadas com o intuito de desacreditar qualquer outra história que envolvesse tráfico de órgãos. Hoje, quando falamos do assunto, alguém sempre diz: Ahhh, aquela historinha do rapaz que acorda na banheira sem rim! Essa é velha. E deste ponto em diante, qualquer outra história que seja contada, será apenas mais um boato. Uma historinha. Ao criar este parágrafo a revista já aponta para a direção que vai tomar no restante da matéria.

Em seguida, para reforçar a tese, FAUSTO SALVADORI insere Valter Duro Garcia, representante da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos). Garcia para quem não sabe, é o homem que tem o objetivo de desqualificar qualquer denúncia sobre o assunto. Ele é testemunha de defesa do assassino do meu filho. Foi ele também que falou em nome da ABTO durante o caso Joaquim Ribeiro Filho. Em todas as vezes, Garcia - mesmo conhecendo os fatos - nega a existência de qualquer tipo de atividade ilícita ligada aos transplantes.

Diz Valter Duro Garcia que "É um procedimento complexo, que dificilmente poderia dar certo fora de um centro cirúrgico com uma equipe treinada de médicos e enfermeiros". É mesmo? Neste caso, Garcia deveria ler as auditorias realizadas em Poços de Caldas quando meu filho foi assassinado. Os hospitais faziam transplantes e sequer possuíam alvará da vigilância sanitária. Máquinas de hemodiálise estavam remendadas com durepoxi. O hospital não tinha a mínima condição de higiene. Mas podemos ir além. No Rio de Janeiro, clínicas particulares tinham salas alugadas para realizar cirurgias deste porte. E realizava. Isto consta em inquéritos, mas FAUSTO SALVADORI preferiu divulgar as palavras da ABTO. Isto dá mais "credibilidade" ao que se propõe a revista.

Em seguida, um velho bordão que vem sendo usado há muitos anos pelos traficantes. Segundo a revista "não haveria como saber se o estudante sedado no motel tinha sangue compatível com o do receptor". Olhem para as filas. Estão lotadas. Você encontra nestas filas milhares de pessoas desesperadas. Não importa o tecido do órgão e nem a compatibilidade sanguínea. Nesta fila certamente tem alguém poderá utilizá-lo. Basta que, depois de realizado os exames, identifique o comprador compatível que está aguardando por um órgão. Não é complicado. Tanto não é que é assim que funciona a fila real!

Este argumento pífio e vazio, só serve aos ignorantes e traficantes. Pode enganar muitos, mas não pode enganar a todos. FAUSTO SALVADORI aceitou este argumento sem rebater, afinal, era o presidente da ABTO quem disse. Em seguida, outra afirmação completamente falsa. A revista afirma que "a maioria dos órgãos torna-se imprestável assim que o coração para de bater".

Veja o quadro abaixo:

Onde:

TR: Tempo máximo para retirada após a morte encefálica do doador

TC: Tempo máximo de conservação após a parada cardíaca

Como podemos ver, um pâncreas pode durar de 12 a 24 horas depois da parada cardíaca. Um rim pode sobreviver de 24 a 48 horas após a parada cardíaca. Ou seja, há tempo suficiente para localizar um interessado nestes órgãos. Mais uma vez o "jornalista" assumiu fatos falsos como sendo verdadeiros para que sua história tivesse peso e conteúdo. Aos leigos, a matéria parece ser esclarecedora. Mas aos olhos de um crítico que preza a qualidade da informação que recebe, o texto passa a ser bastante duvidoso.

No início do texto, lembro de ter lido que um transplante só pode ser realizado em instalações complexas. Para reforçar sua afirmação, o "jornalista", ao relatar o caso de tráfico de órgãos na África do Sul, teve de dar ênfase a uma situação inusitada: "Após uma semana de hospedagem num flat e mais alguns dias em ótimos hospitais, voltavam para o Brasil tendo deixado um de seus rins em corpos de israelenses ou norte-americanos". Não foi isso que ouvi na CPI. Os hospitais não eram ótimos como o autor quer que acreditemos. As instalações na verdade eram péssimas. E mesmo assim, as retiradas eram realizadas sem qualquer problema. A palavra "ótimo" denuncia uma certa insegurança do "jornalista".

Não há em nenhum momento na reportagem, qualquer citação sobre o envolvimento de médicos brasileiros no processo de tráfico de órgãos. Será?

Vejamos:

Como um brasileiro deixava o país para doar um rim lá fora sem saber se o receptor era compatível? Eu mesmo respondo: Ele precisava fazer um exame de HLA que só pode ser feito mediante a emissão de um pedido especial de exame. Além disso, este exame só pode ser realizado por laboratório credenciado para transplantes. Ou seja, existia sim uma rede de traficantes prontos para emitir pedidos de exame e realizá-los, todos pagos pelo SUS, sem que nenhuma autoridade questionasse (nem antes e nem depois) o motivo destes procedimentos. Aliás, esta rede nunca apareceu, nunca foi citada, e o "jornalista" parece que também não teve interesse em saber quem eram. Fazer uma matéria assim é muito fácil. Mais fácil ainda é ganhar dinheiro com ela.

Em seguida o destemido herói dos transplantistas afirma que o caso Africa do Sul foi destaque na CPI de 2004. Não foi. O destaque foi o caso Paulinho que ele sequer mencionou. Aliás, ele não mencionou sequer que a CPI indiciou 9 médicos no caso Paulinho e que o relatório foi engavetado pelo Procurador Geral da República. Tal "jornalista" é muito medíocre ao "esquecer" de citar estes fatos, ou como já disse, foi muito bem pago. Ele também esqueceu de dizer que o mesmo grupo que matou Paulinho, matou outros 8 "doadores" - está no relatório da CPI que ele não leu. Esqueceu também de dizer que o administrador do hospital foi assassinado a tiros depois de grampear o centro cirúrgico. Esqueceu de dizer também que o assassino do meu filho é irmão de um ex-presidente da ABTO. Esqueceu também que este ex-presidente da ABTO também foi citado na CPI por traficar órgãos. Diante de tantos esquecimentos, duvido que o "jornalista" ainda lembre seu próprio nome.

O problema é que o jornalismo atual funciona inversamente. Primeiro cria-se a mentira. Depois, utiliza-se as informações convenientes para que o centro da reportagem torne-se algo verossímil.

A revista também cita Nancy Scheper-Hughes que explorou o Brasil na década de 80 investigando o tráfico de órgãos. Depois de concluir que aqui realmente havia tráfico de órgãos, resolveu escrever um livro, ganhar muito dinheiro e fama, e esquecer o que viu. Nancy comentou diversas vezes que sabia de médicos em Recife que afirmaram fazer o tráfico de órgãos, mas que por questões "éticas", não podia revelá-los. Nancy também denunciou que a ABTO teria feito um acordo com uma universidade para o fornecimento de fígados. Ela foi desmentida pela ABTO e nunca mais falou no assunto.

A matéria não mostra nenhum caso concreto de tráfico de órgãos. Cita a existência de 17 processos sobre o assunto, mas não informa em que situação se encontra. O "jornalista" não sabe por exemplo que o processo sobre o homicídio de pacientes em Taubaté na década de 80, que beneficiava um presidente de ABTO ficou 20 anos na justiça sem ser julgado até prescrever, sem condenar ou absolver ninguém.

FAUSTO SALVADORI desqualificou e ridicularizou Irmã Elilda, que tem sido usada pelo atual governo Lula, que a classifica como "expert" em tráfico de órgãos. Limitada, Elilda não possui provas de nenhum caso, mas vivenciou diversos. Com provas já é impossível pegar os traficantes. Sem provas, torna-se de fato algo ridículo, como deseja o atual governo. Seduzida talvez pela fama, Elilda aceitou e tem aceitado os agrados do governo para nos momentos oportunos ser desqualificada ajudando a enterrar os fatos como lendas urbanas.

Elilda tem razão em alguns pontos, mas não tem capacidade de explicar o que diz. Por isso, fez afirmações que se tornaram ridiculas. Entre elas, a de que Drauzio Varella atua em nome da máfia. Pois bem. Agora falo eu. Sim. Drauzio atua para a Máfia e tem um excelente relacionamento com ela. Sim. Drauzio é usado para dizer que tráfico de órgãos não existe. Em 2004, logo após ser denunciado por traficar órgãos, o médico Elias David Neto contou com a ajuda de Varella. No Blog de Varella, Elias afirmou que a CPI era um tremendo equívoco e que na verdade tinha o objetivo de investigar o tráfico de pessoas e não de órgãos. No mesmo texto, Elias citou um relatório supostamente produzido pelo "FBI" dizendo que tráfico de órgãos nunca existiu. Eu enviei uma carta ao FBI e recebi uma resposta desmentindo categoricamente a existência de tal relatório. Depois de insistir, a ABTO enviou-me uma cópia do tal relatório produzido na década de 90 sem nenhum ligação com o FBI por uma agência de desinformação americana.Aliás, a mesma agência que disse que nunca o exército americano realizou torturas no Iraque.

Elilda equivocadamente disse que a morte encefálica é uma criação dos traficantes. Não é. E explico superficialmente o que ela tentou mas não foi capaz. Posso explicar com detalhes, mas não neste texto. Muitos anos atrás, quando ainda não existia o transplante de órgãos, uma pessoa era considerada morta quando seu coração parava. Tempos depois, os médicos concluíram que mesmo havendo a parada cardíaca, o cérebro ainda poderia estar vivo. Então criaram a morte cerebral. Em 1968, quando Barnard realizou o primeiro assassinato de doador de órgãos, a comunidade médica entendeu que seria necessário reavaliar os critérios chegando então ao que chamamos hoje de morte encefálica, pois como o próprio nome diz, não basta o cérebro estar morto. O encéfalo também tem de estar morto para - hoje - decretar a morte de alguém. E tudo isso pode mudar daqui há alguns anos. A morte encefálica não é um consenso na medicina. E sim, foi inventada para propósitos transplantistas.

Os promotores citados na reportagem são fanfarrões. São bonequinhos nas mãos dos traficantes. Não é a toa que Joaquim Ribeiro Filho embora tenha sido pego vendendo rins, tenha respondido apenas a um processo civil de improbidade administrativa, do qual facilmente foi absolvido. Sim, existe uma máfia, não é pequena e conta com políticos, médicos renomados e autoridades corruptas - em especial o Ministério Público. Não é a toa também que a lei de transplantes determina que é o Ministério Público quem deve fiscalizar a doação entre vivos.

Lendo este reportagem, não há dúvidas. Irmã Elilda tem razão. É mesmo uma máfia, e a revista deve ter ganhado uma boa grana para ocultar tantas informações importantes e ressaltando as palavras de Valter Duro Garcia. Mas ainda há uma chance.

Desafio a revista a provar que o caso Paulino é uma lenda urbana. Se aceitarem o desafio terão de reescrever a matéria. Se não aceitarem, só posso concluir que a despreparada irmã Elilda não está tão equivocada assim.

A propósito, por que não disseram que estou sob proteção do governo italiano após ter denunciado esta máfia? Esqueceram?

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