Você tem filho pequeno? Então fique alerta. Crianças estão entre as vítimas de quadrilhas especializadas em roubo de órgãos. Não meu caros leitores! Não tem um carro preto de vidro fumê roubando crianças nas ruas. Os roubos de órgãos estão acontecendo dentro dos hospitais públicos, diante dos olhos dos familiares, sem qualquer preocupação. Aconteceu comigo, e também aconteceu com o Sr. Naeff Ribeiro, um professor de 58 residente na cidade de Manaus. Seu filho de 7 anos foi internado e acabou falecendo. Ao avaliar as informações do prontuário Ribeiro percebeu que algo estava errado. E ele estava certo. No lugar do rim, uma bolsa plastica coletora de urina. O hospital diz que o garoto já não tinha um rim, mas Ribeiro pode provar o contrário.
Casos como estes estão acontecendo diariamente. A quadrilha aposta que os pais nunca terão interesse em ler os prontuários. E eles estão certos. Raríssimos são os pais que fazem isto.
Assim como no caso de Taubaté e Poços de Caldas, o conselho de medicina do Amazonas não encontrou nenhuma ilicitude ou problema ético. A máfia está crescendo diante de tanta impunidade. Casos julgados, médicos condenados e ninguém preso! Este é o balanço final. Vale tudo para conseguir um rim para vender no mercado negro.
A reportagem foi publicada no Jornal A Crítica de Manaus, e foi escrita por Luana Carvalho. Vale a pena ler e ficar alerta!
Um pai convicto de que os rins do filho foram retirados para alimentar uma rede de tráfico de órgãos. Este é o drama do professor Naeff Ribeiro, 58, que há dois anos tenta provar que o filho Bóris de Araújo Silva, que tinha 7 anos quando morreu, foi vítima de uma quadrilha que, segundo ele, atua nos Prontos Socorros Infantis do Estado do Amazonas.
Depois de dez dias internado no Hospital e Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste, onde deu entrada com vômitos e diarreia (ver box), a criança veio a óbito no dia 13 de fevereiro de 2013. Desconfiado das cirurgias que estavam descritas no prontuário, Ribeiro solicitou detalhes dos procedimentos médicos e até a exumação do corpo, que levantou a suspeita de que o filho dele fora enterrado sem os rins. “No prontuário constam procedimentos que não autorizamos fazer. Não sabíamos de todas aquelas cirurgias que eles alegam. Então notei que havia alguma coisa errada e descobri que meu filho caiu nas mãos da quadrilha que tira os órgãos”, denunciou. Ele contou que um exame radiológico de tórax foi feito dois dias antes da morte de Bóris mas não foi entregue à família. “Vi no prontuário que foram feitos raios-x e solicitei os exames que fizeram antes e depois das cirurgias. Não me entregaram nada. Esta seria a única coisa que provaria se meu filho estava ou não com os órgãos”.
A Secretaria de Estado de Saúde (Susam) informou que o “exame foi realizado no sistema convencional da época, utilizando película-revelador e fixador, com caraterísticas voláteis”. Segundo a secretaria, o “filme apagou”e por isso a imagem foi descartada. Depois de fazer a denúncia no 8º Distrito Integrado de Polícia (DIP), o professor solicitou a exumação do corpo do filho. “Eles estão acostumados a fazer isso porque sabem que nenhum pai tem coragem de mandar desenterrar o filho pra fazerexumação”, relembra.
EXUMAÇÃOO exame foi realizado três meses depois. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) aponta que “foi evidenciada a presença de material compatível com compressas” dentro do corpo de Bóris. Após a retirada desse material, foi encontrada uma bolsa coletora de urina,“suturada à aponeurose abdominal, compatível com técnica cirúrgica”, segundo detalha o IML.
Sobre a suspeita de que os rins foram retirados, o perito legista descreveu que “pelo estágio de decomposição avançado”, a identificação de tecidos (órgãos) ficou prejudicada. No entanto, Naeff afirma que acompanhou todo o processo de exumação e que a bolsa foi colocada para substituir o órgão. No laudo médico emitido pela Susam, o procedimento em que a bolsa foi suturada não foi descrito. “A bolsa coletora estava no lugar de um rim da criança. Como essa bolsa foi parar dentro dele se não autorizamos e nem sabíamos deste procedimento?”, questionou Naeff.
Ele denunciou o caso ao Ministério Público Estadual (MPE-AM), e o juiz Anésio Rocha, da 2ª Vara do Tribunal do Júri, declinou a competência do caso a “uma das varas criminais comuns”, uma vez que o suposto crime não apresenta caracteristicas de homicídio doloso consumado, de acordo com a decisão. O processo criminal está “parado” no setor de “distribuição” da Justiça. Ribeiro também deu entrada em um processo cível de número 0635920-10.2014.8.04.000, que tramita na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, onde ele processa o Estado e pede uma indenização de R$ 1 milhão por danos e perda.
‘SEM APOIO’Incansável, o professor alega que nenhuma autoridade se dispôs a ajudá-lo na investigação. “Já pedi ajuda de tantas pessoas. Fui na delegacia, no Conselho Regional de Medicina, na Câmara Municipal de Manaus, na Assembleia Legislativa e nada. A única certeza que tenho é que não vou desistir, pois a alma não descansa enquanto não houver justiça”, lamentou.
De acordo com o pai da criança, Naeff Ribeiro, 58, tudo começou quando o garoto comeu uma pizza de calabresa e foi levado ao Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste, com vômitos e diarreia. Ele foi internado no dia 2 de fevereirode 2013, às 23h15. No dia seguinte, por volta das 16h, Bóris foi operado por um cirurgião que faz parte do Instituto de Cirurgia do Estado do Amazonas (Icea), sucessor da antiga Cooperativa de Cirurgiões do Estado do Amazonas, que tem contrato com Estado há mais de dez anos. “O médico falou que ia fazer uma cirurgia de obstrução intestinal, mas minha esposa discordou, já que o menino estava com diarreia. Mas o médico explicou que haviam vários tipos de obstruções e autorizamos essa cirurgia. Nada com os rins”.
Ainda segundo Naeff, a criança foi levada para a UTI depois da cirurgia. “O médico relatou que tinha dado tudo certo na cirurgia. Mas algumas horas depois o Bóris estava em estado lastimável, do abdômen para baixo que nem um balão cheio de água, inchado”. Dois dias depois, a criança foi submetida a uma nova cirurgia, onde uma equipe médica composta por outros dois cirurgiões e uma anestesista do Icea constataram mais uma “fístula” (abertura) intestinal.
No prontuário da Secretaria Estadual de Saúde (Susam) consta que houve piora no quadro, sendo necessária uma nova cirurgia dia 5 e outra dia 11. No entanto, Naeff afirma que só foram realizadas duas cirurgias e que o pronturário foi fraudado para “esconder” a retirada ilegal dos órgãos da criança. Segundo ele, em um dos dias, a hora apontada no prontuário como o momento da cirurgia (10h50) era horário de visita e a família estava com a criança na UTI. “Depois que meu filho morreu que fui ligar os fatos. No prontuário eles descreveram cirurgias que nunca foram feitas, o que me levaram a crer que eles só querem abrir as crianças para ganhar dinheiro. Por isso pedi a exumação do corpo”. A reportagem tentou entrar em contato com os médicos citados no processo, mas o Icea informou que eles estão viajando e não podiam ser encontrados. A cooperativa informou que comunicaria os médicos, para que eles procurassem a reportagem, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.
Laudo diz que criança não tinha um rim
No laudo médico emitido pelo Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste, a gerente técnica Eriane Leal de Oliveira informou que, quando Bóris deu entrada no hospital, foi constatado que ele tinha “excesso de cicatrizes intra abdominais causadas por cirurgia realizada há seis anos com retirada de um rim”. No entanto, o pai afirma que o hospital está mentindo.“Meu filho foi internado no mesmo hospital quando tinha 11 meses, com problemas intestinais. Nenhuma cirurgia renal foi feita”. Ele apresentou a alta médica da primeira vez que a criança esteve no hospital (em2006). A ficha diz que a
criança teve alta dia 22 de setembro de 2006, com evolução “sem intercorrências”.
No dia 25 do mesmo mês, Bóris passou por um exame de tomografia computadorizada do abdômen feita no Hospital Adventista de Manaus. “Levei meu filho a um hospital particular para ter certeza de que estava tudo bem. A prova de que hospital está mentindo é que tenho o laudo da tomografia feita três dias depois que ele teve alta. Depois que denunciei, eles usar a ma desculpa de que meu filho já não tinha um rim”. O resultado da tomografia feita pelo hospital particular apontava que a criança“ possui os rins tópicos”, sendo que o esquerdo apresentava aumento de volume.
‘Denúncia incoerente’ - Gerente técnica do Pronto Socorro da Criança nega retirada de órgãos
A gerente técnica do Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste, Eriane Leal de Oliveira, afirmou que a denúncia é “ incoerente”, uma vez que o paciente teve todo o tratamento necessário naquela unidade. “O senhor Naeff focou em cima de um erro de digitação de um laudo, onde escrevi que houve a ‘retirada de um rim’. Quando na verdade eu quis dizer que na primeira vez que a criança esteve internada, em 2006, foi retirado uma ‘parte’ de um rim devido um abscesso. Quando ele questionou, me desculpei e corrigi o erro”. A médica explicou que Bóris de Araújo deu entrada no hospital em estado grave.“Assim que foi atendido, o médico logo identificou que o caso era de urgência”. De acordo com Eriane, a primeira cirurgia foi feita para correção de uma fístula (abertura) intestinal, ocasionada pelas cicatrizes de uma operação feita há seis anos. “Quando os médicos abriram a criança, viram que o intestino estava perfurado. Nos dias seguintes o paciente apresentou piora, sendo necessário fazer outros procedimentos cirúrgicos. A equipe tentou até o último dia salvar a criança”, completou.
Em relação à bolsa coletora de urina que não foi descrita no prontuário, a médica explicou que faz parte do procedimento da colocação de “tela de marlex”. “Uma tela de marlex faz com que o aparelho
do abdômen não se junte, dá mais espaço pro intestino que está inchado. Essa tela pode ser auxiliada por uma superfície de plástico, isso pode ser feito conjuntamente. É o que chamamos de ‘técnica de bogotá. Mas o médico cirurgião não achou necessário descrever no prontuário”, ratificou.
Mas o médico que fez a cirurgia relatou em depoimento ao Conselho Regional de Medicina (CRM-AM), que a bolsa coletora de urina estéril foi usada em substituição da ‘tela de marlex’ e não “conjuntamente”. O CRM arquivou a sindicância e concluiu que “ao analisar o farto material contido nos autos, o médico denunciado agiu de forma correta quando realizou o procedimento cirúrgico e o CRM não encontrou nenhum indício de infração ao Código de Ética Médica”.