Desembargadores comprados

Desembargadores comprados

terça-feira, 12 de junho de 2012

Mais um livro sobre transplantes, e mais um pouco de verdade sobre a maquina de fazer dinheiro a qualquer custo

Pela bagatela de R$ 35,00 voce pode comprar o livro "A face oculta dos transplantes" que ja esta disponivel inclusive no Mercado Livre. Lançado este ano, o livro foi escrito pelo Dr. Euclydes Marques, medico transplantista. Na sinopse do livro podemos encontrar o seguinte:
Neste livro, A Face Oculta dos Transplantes, o Dr. Euclydes Marques, que desde o começo esteve no interior do turbilhão que resultou nos transplantes no Brasil, faz um relato de deliciosa leitura dos inúmeros pequenos e grandes detalhes ao redor do acontecimento. Isso envolve desde a formação pessoal, os mestres, os obstáculos, até a integração entre os membros da equipe, que hoje têm enorme reputação internacional: além dele mesmo, Dr. Zerbini, Dr. Adib Jatene e uma enorme quantidade de professores, cirurgiões e outras pessoas que participaram em um processo coletivo que construiu cada etapa do procedimento, com esse resultado final.

Como podemos ver, Dr. Euclydes Marques ampara-se em renomados medicos transplantistas que, segundo o livro, contribuiram para os transplantes no Brasil. 

Mas ha uma historia que acredito que nao esteja no livro. Trata-se de um artigo publicado no site www.distrofiamuscular.net. No site encontrei um e-mail de contato de David Feder. O texto que vou replicar aqui pode ser lido na integra clicando aqui. Boa leitura! Vale a pena.

O artigo mostra como os transplantes tem uma relaçao estreita com o dinheiro e pouca responsabilidade na cura, muitas vezes baseado em mentiras visando o lucro facil.





Médicos tornam doença caso de polícia
Conceição Lemes

fonte: http://nominimo.ibest.com.br/

13.Jul.2002 |  24 de abril de 2002, Hospital Saint Paul, avenida Euzébio Matoso, Zona Sul da cidade de São Paulo. O fisiologista chinês radicado nos EUA Peter K. Law e os médicos paulistas Wagner Fiori, Euclydes Marques e Márcio Peres Ribeiro têm o que o jargão médico designa de procedimento agendado. O paciente é Bruno Almeida Silveira, 9 anos, de Goiânia (GO), suposto portador de distrofia muscular de Duchenne. A doença é genética, incurável e afeta apenas meninos, degenerando todos os músculos. No Brasil, existem cerca de 28 mil casos. Aos 3, 4 anos de idade, começam a ter quedas freqüentes e dificuldades para subir escadas, correr; aos 12, muitos param de andar; ao redor dos 17, a maioria morre por insuficiência respiratória ou cardíaca.

O tratamento programado para Bruno é o transplante ou transferência de mioblastos (células formadoras de músculos). Exatamente o procedimento que, em 31 de maio último, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou à União que pagasse a uma jovem de 20 anos. Também o mesmo a que vários garotos brasileiros com Duchenne foram submetidos com a promessa de que até voltariam a jogar bola. O preço cobrado inicialmente foi 150 mil dólares. Tudo foi acertado com Maria Monteiro, na verdade a repórter, identificada na primeira consulta com parte do seu nome, e suposta madrinha de Bruno, que após dura negociação, conseguiu baixar para 134 mil dólares. Os R$ 382.436,00 (câmbio de 9 julho) teriam que ser depositados até 24 de março na conta bancária da Cell Transplants Asia Limited no Hong Kong Bank, em Hong Kong, Ásia. Número do banco: 004. Conta bancária: 485-232367. A Cell Transplants pertence a Peter K. Law, chefe da equipe e presidente da Cell Therapy Research Foundation, localizada em Memphis, Tennessee, EUA.

“O transplante de 50 bilhões de mioblastos aumenta a força muscular e melhora muito a qualidade de vida das crianças com Duchenne. Uma até voltou a andar. Vale a pena tentar”, recomenda Wagner Fiori à madrinha do fictício Bruno durante consulta na Genesys Research Institute, sua clínica na região dos Jardins. Ele a divide com os sócios Euclydes Marques e Márcio Peres Ribeiro, cirurgiões do Instituto do Coração, o Incor-SP. Fiori dá o endereço de Peter Law, cujo site proclama: “mais de 230 transplantes realizados com sucesso superior a 75%!”

“O tratamento é experimental, e os resultados muito bons”, garante Tunja Jackson, diretora da Cell Therapy, em Memphis. A vice-presidente e tesoureira Tena Goodwin sustenta: “Todos os transplantados tiveram grande melhora e/ou considerável diminuição da degeneração muscular. Doutor Law acredita que Bruno terá tais benefícios. A alternativa é não fazer nada, o que achamos pior”. O próprio Peter K. Law bate o martelo diante das dúvidas em relação à competência da equipe brasileira: “Eu mesmo ou alguém aqui do meu staff pode fazer o transplante no Brasil, se isso deixar a mãe de Bruno mais tranqüila”.

Houve cinco detalhes cruciais na negociação, que consumiu uma consulta médica, 56 e-mails e vários contatos telefônicos entre a madrinha e a organização de Peter Law:

1. O fictício paciente teria 7 anos no início da transação (agosto de 2000) e 9 anos no final (abril de 2002);

2. Em nenhum momento alguém quis saber como evoluía sua doença. Os fundos e o depósito bancário eram a única preocupação;

3. A Cell Therapy abriu mão da visita obrigatória de Bruno a Memphis, onde verificaria se era ou não elegível para o tratamento. Bastou a isca: “a família já conseguiu o dinheiro”;

4. O menino foi aprovado para o transplante antes mesmo que supostos resultados de testes fossem enviados aos EUA. Foi suficiente o aceno com o depósito dos 134 mil dólares no Hong Kong Bank;

5. Peter Law marcou o transplante sem que ele ou qualquer membro da equipe brasileira tivesse visto Bruno.

Esperanças traídas

O transplante de mioblastos é ilegal nos EUA, no Canadá, na Europa e no Brasil. Em 9 de janeiro de 2002, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou parecer condenando o procedimento. “Infelizmente, não funciona para Duchenne nem para qualquer outro tipo de distrofia muscular”, adverte Mayana Zatz, professora-titular de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, USP. Além disso, é mentira que não existe tratamento a fazer. Está comprovado que a combinação de fisioterapia, corticosteróides (um tipo de antiinflamatório) e ventilação assistida retarda a evolução natural de Duchenne, aumentando, no mínimo, em 10 anos a sobrevida dos doentes; já há relatos de portadores de Duchenne com 35 anos de idade.

Não se trata, como os pais às vezes dizem, de um “ponto de vista da doutora Mayana” ou “do pessoal da USP”. A comunidade científica mundial assina embaixo. Em peso, o faz o primeiro time da área de distrofia muscular, como George Karpati, do Canadá, Terence Partridge e Victor Dubowitz, da Inglaterra, e os neurologistas brasileiros Alain Gabbai, Acary Bulle de Oliveira, Lineu César Werneck e Umbertina Reed (leia Por que é ineficaz). Não à toa a conceituada Elizabeth McNally, professora de Genética Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de Chicago, EUA, sentencia: “Recomendar o transplante de mioblastos é dar falsas esperanças a pacientes e familiares”.

Pat Furlong, líder do Parent Project, associação americana de parentes de portadores de distrofia, e que conviveu com vários garotos transplantados, inclusive dois filhos seus, com Duchenne, já mortos, confirma: “O transplante de mioblastos não mudou nada na vida dos meninos. Quem não andava, continuou não andando. Quem não se alimentava sozinho, continuou não o conseguindo”. José Tadeu Cruz, pai de A.C., de Lages (Santa Catarina), é outra vítima e testemunha. O filho, hoje com 17 anos, foi transplantado em 1998, em São Paulo, por Peter Law. “Um picareta caça-níqueis. Embolsou 150 mil dólares do Estado por três horas de trabalho, e não fez nem deixou qualquer acompanhamento. Foi tudo para o lixo, inclusive os 20 mil dólares que gastei de passagens e hotéis”, revolta-se (leia Fracassos encobertos).

“Inegavelmente, uma infração ética gravíssima, criminosa”, vai fundo o médico Gabriel Oselka, professor de Bioética da Faculdade de Medicina da USP. Os médicos que indicam ou executam o transplante de mioblastos violam normas éticas e resoluções do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Nacional de Saúde. Entre as infrações, prescrição de método não comprovado, promoção de falsas esperanças e cobrança indevida. Em procedimento experimental, ou seja, em teste, o paciente não paga nem a consulta, em qualquer lugar do mundo. A procuradora de Estado de Santa Catarina Francis Lilian Torrecillas Silveira, desde 1997 no encalço do grupo, desfecha: “É caso de polícia”.

Informações enganosas

Em meados dos anos 90, pesquisas sérias e éticas conduzidas por quatro prestigiosos grupos de investigadores dos EUA e do Canadá já haviam provado que o transplante de mioblastos, tal como é realizado até hoje, não tem eficácia. Peter Law, já longe do meio acadêmico, prosseguiu os estudos em sua fundação particular, obtendo autorização da Food and Drug Administration, a agência que controla alimentos e remédios nos EUA. Contudo, a mesma FDA, após investigação concluída em 2000, desqualificou-o, bem como a suas pesquisas, por graves falhas e violações. Entre elas:

1. Fornecimento de informações enganosas e imprecisas à FDA.

2. Falta de notificação de reações adversas dos pacientes ao tratamento.

3. Ausência de avaliação geral dos pacientes por médico habilitado.

4. Realização de transplante sem presença de médico responsável, já quePeter Law é fisiologista (especialista na parte da ciência que estuda especialmente o funcionamento do organismo e sua composição bioquímica). Ou seja, não tem formação nem treinamento em medicina.

5. Contaminação de mioblastos (o agente terapêutico usado nos transplantes) por bactérias.

6. Exportação da terapia, ainda em pesquisa, para o Brasil e a Coréia do Sul sem solicitar ou obter autorização da FDA.

7. Comercialização da terapia experimental, cobrando ou recebendo pagamento de contatos no exterior.

Resultado: por colocar em risco a segurança e o bem-estar de pacientes em suas pesquisas, Peter Law está proibido de fazer transplantes nos EUA. Com isso, o braço brasileiro da organização se fortaleceu. “É um dos nossos principais centros”, diz Tena Goodwin. O próprio cartão de visita da clínica Genesys destaca: filiada à Cell Therapy Research Foundation. Em atividade desde 1997, médicos e advogados integram o grupo no Brasil. O cérebro, porém, continua nos EUA, incluindo a produção dos mioblastos, a partir de tecido de meninos americanos saudáveis.

Associação para o mal

Para obter os mioblastos, certas regiões musculares dos doadores são laceradas. Quando o tecido se regenera, retiram-se as células formadoras de músculos, que vão, então, para cultura e proliferação. É esse material que os médicos enxertam por meio de injeções em vários grupos musculares de pacientes. “O geneticista do doutor Law vem e prepara os mioblastos no laboratório de genética, que montei aqui ao lado”, conta Fiori. “Apenas executamos o transplante. São mais de 750 injeções.”

Não é bem assim. Em 1998, Peter Law esteve em São Paulo e ensinou a técnica a Marques, Ribeiro e Fiori. Desde então, o trio prescreve, opera e ensina o caminho para o paciente obter o tratamento não coberto por convênios. “O Estado tem que pagar mesmo. Várias crianças já ganharam na Justiça. Os pais de Bruno poderiam entrar com ação”, orienta Fiori à madrinha de Bruno.

Faz mais. Dá telefone e nome do advogado Diógenes Vargas, OAB/SC – 5.098, que impetrou algumas dessas ações e mantém relação com toda a organização. Vários fax a comprovam. Num dos fax, de 11 de agosto de 1998, Law, dos EUA, avisa Vargas que os 150 mil dólares de um transplante agendado para o final daquele mês deveriam ser depositados no Hong Kong Bank. Coincidentemente, a mesma conta indicada para o pagamento do transplante no fictício Bruno.

“Como seu afilhado é de Goiânia, e não há nenhum caso lá, a chance de ganhar na Justiça é de mais de 50%”, avalia Vargas, que já passou dias com Peter Law nos EUA. “Se fosse meu filho, tentaria. Minha parte fica em 4 a 5 mil reais. O valor é pequeno, o que me realiza é o resultado,” elogia-se. A propósito, quando fez palestras em Curitiba Law esteve sempre cercado de advogados. Quando percebiam pais ou mães aflitos, entravam em cena: “Entra, entra sim, com ação contra o seu Estado”.

O governo paga

O expediente é uma brecha da Constituição Federal de 1988. Em síntese diz: havendo no exterior tratamento não oferecido aqui e que possa beneficiar o paciente, o governo tem que arcar com o custo, já que a saúde é direito de todos, e dever de União, Estados e Municípios, ou seja, dos governos.

Em pelo menos um caso de Duchenne, em São Paulo, e oito, em Santa Catarina, a Justiça concedeu liminar e os governos desses estados foram obrigados a pagar o tratamento. Esses nove casos (sem incluir despesas para exames nos EUA) custaram aos cofres públicos quase 3,9 milhões de reais. Valor certamente aquém do que a conexão Brasil já rendeu. “Os doutores Márcio Ribeiro, Wagner Fiori e Euclydes Marques já fizeram mais de 20 transplantes”, contabiliza a tesoureira da Cell Therapy Tena Goodwin.

Explica-se:

1. Alguns famílias brasileiras abonadas custearam o tratamento de seus filhos.

2. Portadores de Duchenne de outros países têm-se submetido ao transplante no Brasil, evidenciando mudança de rota – antes, crianças de várias partes do mundo iam para os EUA. “Já operamos 14; quatro daqui e 10 da Espanha”, revela Fiori à madrinha. Em entrevista à repórter Conceição Lemes, o cirurgião Marques acrescenta: “Numa das viagens do doutor Law, dois americanos vieram também. Era a segunda transferência de um dos americaninhos.” Outro indício está no site davidmayuri.com destinado a arrecadar fundos para o tratamento do adolescente americano David Mayuri, da Flórida. Law, em carta assinada, agendara a operação para 11 de junho de 2002 (veja o documento). Local e equipe: os mesmos de Bruno .

3. Diversificação de aplicações do transplante. A prova é que, em maio último, a juíza Regina Helena Costa, da 14ª Vara Federal de São Paulo, mandou e o STF acatou a sentença que determinava à União pagar o tratamento à garota L.T.M, de 20 anos, portadora de distrofia do tipo cinturas (afeta a musculatura de pernas e braços). Na decisão, a juíza indicou como local para o procedimento o Hospital Saint Paul, o mesmo recomendado por Peter Law a Bruno. O nome da instituição é fantasia, pois não tem álvara para funcionar como hospital. É, na verdade, uma clínica que trata principalmente de cirurgia estética.

Benfeitores e estratégia

O fato é que Marques, Fiori e Ribeiro apresentam-se como solidários e devotados à ciência. E-mail repete a conhecida estratégia: “A nós não cabe nenhum pagamento; nossa participação é por interesse científico”, explica.

Fiori repisa o texto na consulta da madrinha: “Não recebemos nada. Fazemos no Brasil só para facilitar a vida das crianças”. No meio da conversa, insinua intimidade com o sonho de pais de meninos com Duchenne: “Hoje, às 7 da noite, vamos conversar com o Peter Law. Vamos ter uma reunião por telefone”. E ensina a acessar o site celltherapy.com, que divulga supostos sucessos. “Fazemos só como pesquisa. Nosso intuito é acadêmico”, enfatiza.

A afirmação, porém, falseia a realidade.

- Fiori, Marques e Ribeiro nunca submeteram qualquer projeto de pesquisa para transplante de mioblastos em casos de Duchenne ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep do Ministério da Saúde. “Como se trata de estudo com seres humanos, só poderia ter sido iniciado após nossa aprovação”, afirma o médico Willian Saad Hossne, coordenador da Conep. É o que determina a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde. O objetivo é garantir segurança, bem-estar e dignidade do usuário, evitando que seja usado inescrupulosamente. Fere a ética quem desrespeitar esse princípio.

- Wagner Fiori cobrou R$196,00 pela consulta da madrinha de Bruno (recibo 3484, da Genesys Research Institute, CGC 00.524.677/0001-29, emitido em nome do paciente fictício). De acordo com as normas internacionais de pesquisa, nada é pago por tratamentos em teste. Até o transplante teria de ser gratuito.

- Curiosamente, Marques, Fiori e Ribeiro estão informados de que Peter Law e a Cell Therapy não têm conta bancária no Brasil, conforme e-mail assinado pelos três.

Cobaias e lucros

Na verdade, é tudo por dinheiro. A Cell Therapy Research Foundation se denomina uma organização sem fins lucrativos, que sobrevive com doações. Entre eles, forçosamente os pacientes: quem não paga os 150 mil dólares, não recebe o transplante.

Um e-mail da diretora Tunja Jackson, para agendar visita prévia de Bruno a Memphis, é um primor de mercantilismo: “Ficaremos felizes em vê-lo. Gostaríamos também de expressar a tristeza que sentimos por vocês precisarem vender suas propriedades para pagar o transplante do seu afilhado”.

Com tentáculos na Coréia do Sul, na Polônia, na Rússia e em Cingapura, a organização chegou a tentar negócios com o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Mas, alertada por especialistas brasileiros, a instituição desistiu. “É incrível como no Brasil as pessoas não se dão conta da enormidade de charlatães que existe nos EUA”, observa Alain Gabbai, professor titular de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.

O planos para o Brasil, no entanto, não são modestos. Incluem a criação de uma fundação e o uso de transplante de mioblastos em pacientes com infarto do miocárdio, que anualmente atinge 300 mil brasileiros. No ano passado, Peter Law reuniu-se em São Paulo com importante cardiologista do Hospital Beneficência Portuguesa para discutir o assunto. “A área cardíaca é a que nos interessa. Tem um montão de gente”, diz Marques. “Só entramos em distrofia muscular, que não é nossa área, para pegar experiência e usar em coração.” Traduzindo, crianças com Duchenne foram usadas como cobaias para um negócio maior. Mais tarde, em entrevista, Fiori confirma: “Estamos aplicando em distrofia, mas só para aprender a tecnologia. É apenas um passo para a gente usar em miocardiopatia”.

Crueldade e descaso

Condutas antiéticas não são raras em doenças incuráveis. Sem dó nem piedade, profissionais inescrupulosos aproveitam-se do desespero de pacientes e parentes para oferecer tratamentos enganosos, e faturar. Em geral, é grande a distância entre o que falam às famílias no consultório e o que assumem oficialmente. Por isso, de propósito, a madrinha de Bruno consultou Fiori em 3 agosto de 2000 e, em outubro de 2001, voltou à carga por e-mail. A resposta (em 4 de outubro) foi assinada por ele e os sócios Marques e Ribeiro. E, agora, em 2002 (28 de janeiro, pessoalmente, e no final de março, por telefone) ouviu-o também como repórter, já após o parecer do CFM contrário ao tratamento.

O solícito médico da consulta cedeu lugar ao desmemoriado médico da entrevista. “Preço? Isso é lá com eles. A gente não sabe nem quer saber quanto custa”, afirmou na entrevista. Indagado se os meninos com Duchenne pagaram o transplante, disse: “Se eles estavam dentro da pesquisa do doutor Peter Law provavelmente os tratamentos não foram pagos”.

Mentiu. Wagner Fiori e Euclydes Marques assinam o parecer que garantiu no STJ, em maio de 2002, o transplante à jovem com distrofia de cinturas. São igualmente deles os pareceres para os transplantes dos garotos A.C., J.C.A, M.G.S, de Santa Catarina, e L. T. F. M, de Macatuba (SP). Os quatro foram transplantados em 1998 no Hospital Samaritano, em São Paulo. “Não vimos os resultados. Mas está na nossa pauta vê-los, só não sei quando”, desconversa Marques. “É um fragmento assim (o gesto indica mínimo) da minha vida.”

Cremesp e Justiça ludibriados

Até o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) foi enganado na história dos garotos transplantados no Hospital Samaritano. Marques pediu permissão para que Peter Law, que é estrangeiro, demonstrasse o procedimento aqui. Como é praxe, a entidade autorizou sem examinar o mérito, com a condição de que fossem cumpridas as determinações do CFM e do Conselho Nacional de Saúde referentes a pesquisas com humanos. Só que não era demonstração: os quatro procedimentos custaram aos cofres públicos 600 mil dólares, e Fiori, Marques e Ribeiro participaram. “Eles alegaram que a não realização poderia implicar até a morte dos garotos, e, ainda, havia autorização do Cremesp e o compromisso de cumprimento das exigências legais”, justifica o médico Jorge Amarante, da Comissão de Ética em Pesquisa do Samaritano em documento à Conep. “O hospital apenas cedeu gratuitamente instalações e materiais”.

Na ocasião, ludibriaram também juízes de Santa Catarina. De acordo com a sentença, os transplantes de A.C., J.C.A e M.G.S seriam em Memphis, nos EUA. Acabaram sendo feitos em São Paulo, no Samaritano. A Justiça Federal foi igualmente induzida a enganos. Na decisão determinando à União pagar o transplante à jovem com distrofia de cinturas, a juíza Regina Helena Costa, da 14ª Vara Federal de São Paulo, cita: 1. Dois meninos (um do Distrito Federal e um de Santa Catarina) que portariam distrofia de cinturas e teriam tido resultados favoráveis com o transplante; 2. Que a doença decorre da ausência de distrofina nos músculos; 3. Que o transplante de mioblastos não pode ser mais considerado pesquisa ou tratamento experimental; 4. Que Fiori, uma das testemunhas do processo, é professor da Faculdade de Medicina da USP.

Nada disso é verdade:

1. O garoto de Santa Catarina não tem distrofia de cinturas mas Duchenne, que é outro tipo de distrofia muscular.

2. Os músculos dos portadores de distrofia de cinturas produzem distrofina em níveis normais; o que lhes causa a doença é a falta de outras proteínas. Quem não tem distrofina é o portador de Duchenne.

3. Pesquisas sérias e éticas já comprovaram o oposto: o transplante de mioblastos não funciona em Duchenne nem em qualquer tipo de distrofia muscular.

4. Fiori, que se apresenta como cardiologista, nutrólogo, médico ortomoleculare integrante do corpo médico do Hospital Albert Einstein, nunca passou pela Faculdade de Medicina da USP, nem como aluno. Formou-se na Faculdade de Medicina de Valença, no Estado do Rio de Janeiro. Tampouco Fiori e Marques são especialistas em genética, como figura em ações que tramitaram na Justiça. Mesmo assim, assinam como peritos os pareceres favoráveis aos transplantes. Isso igualmente agride a ética, já que também prescrevem e fazem o tratamento.

“Há, no mínimo, um conflito de interesse”, aponta a procuradora Francis Torrecillas. Outro aspecto estranho nas decisões judiciais que determinaram os transplantes: em nenhuma, os verdadeiros especialistas em distrofia muscular foram sequer citados.

Intimidação, marca registrada

Em lugar de provar que renomados cientistas do mundo inteiro estão errados, Peter Law tenta silenciá-los com processos milionários. Mayana Zatz, que é presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular (Abdim), foi processada em 1996, nos EUA, e em 2000, no Brasil. Suas declarações atrapalhavam os negócios. Ele contratou um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil (com filial em Nova York), ameaçando a pesquisadora com processo civil e criminal. Exigia que parasse de condenar o método e se retratasse de declarações, especialmente as fornecidas à imprensa. Mayana não fez nem uma coisa nem outra. O próprio escritório de advocacia acabou desistindo da causa.

Mais cruel é o recurso utilizado para calar pais de meninos já submetidos ao tratamento: o aceno com novas pesquisas e a promessa de que os participantes da fase inicial seriam os primeiros beneficiados. Assim, por receio, esperança ou vergonha esses pais nem sempre assumem que foram enganados. Até por que a fraude demora 4, 5 anos para ser descoberta, já que a doença tem evolução lenta. “Não sei se melhorou alguma coisa”, diz evasiva Vera Gattai, mãe do paulistano A. G., 17 anos, transplantado nos EUA em 1997. “O doutor Law e sua equipe de Memphis acharam absurdo a cortisona e tiraram. Meu filho não a tomou mais.”

Só que:

1. Está provado que o uso de corticosteróides atrasa a evolução da distrofia muscular de Duchenne, e a maioria dos pacientes se beneficia. “Iniciada a ingestão do remédio, no momento certo, faz com que andem, em média, por mais dois anos”, salienta Lineu César Werneck, chefe do Serviço de Doenças Neuromusculares do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba. Isso significa independência até os 14 anos. Proibir corticosteróides, portanto, é tirar essa chance.

2. A. G. não voltou a andar após o transplante. Está sofrendo a evolução natural da doença. Já teve parada cardiorrespiratória, foi submetido à traqueostomia (abertura de um orifício na traquéia para desobstruir as vias respiratórias) e está internado há quase quatro meses por problemas respiratórios. “O único jeito de ele voltar para casa é a gente conseguir o bipap”, sonha dona Vera. Bipap é um aparelho que empurra o ar para dentro dos pulmões e mantém a criança ventilada. É a chamada ventilação assistida (leia Chegar aos 30 anos já é possível). O problema é que o equipamento custa quase 18 mil reais, dinheiro de que a família não dispõe. Gastou tudo o que tinha com advogado, intérprete, passagens e estadias para o transplante, realizado nos EUA e custeado pelo governo de Santa Catarina.

Dinheiro de volta

As procuradorias de Santa Catarina e de São Paulo, por sinal, estão tentando reaver o dinheiro dos tratamentos. “Como as famílias são pobres, o caminho será algum tipo de ação na Justiça americana”, cogita José Roberto de Moraes, subprocurador geral do Estado de São Paulo. Os quase 3,9 milhões de reais pagos a Peter Law apenas por esses dois estados poderiam comprar bipap para 270 portadores de Duchenne. Seria a garantia de chegarem à terceira década de vida. “Dez anos a mais podem significar o tempo para se achar até mesmo a cura”, ressalta Mayana Zatz. O bipap é o único recurso capaz de ajudar também a jovem com distrofia de cinturas, que ganhou na Justiça o direito ao transplante. Ela enfrenta problemas respiratórios, e o tratamento de 150 mil dólares beneficiará apenas os cofres da organização de Peter Law.

O transplante de mioblastos e os os homens que o executam estão também na mira de sindicâncias do departamento jurídico do Ministério da Saúde, da Conep e do Cremesp. A do Cremesp, aberta em 2001, tem o número 42.238/01.

Ironicamente, na sala de espera da clínica Genesys, de Fiori, Marques e Ribeiro, há sobre a mesa das secretárias uma bíblia imensa. Durante os 20 meses da apuração desta reportagem, permaneceu aberta no mesmo Salmo: Glória a Deus que recompensa os bons e castiga os pecadores. Talvez as pessoas que vendem o falso tratamento entejam à espera da legítima justiça divina.


Fracassos encobertos

13.Jul.2002 |  Em 1997, três garotos brasileiros submeteram-se ao transplante de mioblastos nos EUA. Foram os primeiros. Na seqüência, outros fizeram o mesmo, nos EUA ou aqui. O número exato é impossível saber. Os seis jovens abaixo mencionados ganharam na Justiça o direito ao tratamento, que foi pago pelos estados de São Paulo e Santa Catarina com recursos do Sistema Único de Saúde, o SUS. Sonhavam jogar futebol, correr, andar, e, segundo seus pais, estão assim:

- T.M., 20 anos, Criciúma (SC) – Praticamente, não tem pernas: quando tenta movimentá-las, caem como duas tiras de pano; virar-se na cama só com ajuda.
- J.B.G.C., 16 anos, Araranguá (SC) -- Recebe comida na boca, pois não levanta os braços. Ainda desenha e joga videogame: digita tudo com auxílio de pauzinhos.
- A.G., 17 anos, São Paulo (SP) – Está internado há quase quatro meses por problemas respiratórios; não mexe braços ou pernas. Em 2000, sofreu parada cardiorrespiratória.
- A.C., 17 anos, Lages (SC) – Não se movimenta e já tem dificudades respiratórias.
- L.T.F.M,16 anos, Macatuba, (SP) – Não anda; precisa de auxílio para sentar-se no vaso sanitário. Ainda consegue usar computador.
- M.G.S., 13 anos, Lages (SC) – Já perdeu os movimentos de braços e pernas. Até submeter-se ao transplante (tinha quase 10 anos, na época), andava. Em seguida, coincidentemente, parou.

“O doutor Wagner Fiori disse que melhoraria, mas meu filho não recuperou os movimentos”, revela a mãe, Albertina Silva. A força muscular de T. também piorou. Por ocasião do transplante, ele flexionava bem os membros inferiores. Depois, sofreu queda brusca dos movimentos. “Questionei o doutor. Peter Law sobre a perda desproporcional da deambulação (ação de caminhar), até porque sei de outros meninos que não andaram mais”, salienta o pai, Antônio Martinhago. Hermínia Cordeiro, mãe de J.B., faz coro: “A parte motora piorou; a respiratória melhorou um pouco, mas não sei se por causa do transplante ou se é por que cuido bem”. Vera Gattai, mãe de A.G., joga a toalha: “Mudar a história da doença, o transplante não mudou, não”.

Na avaliação da doutora Mayana Zatz, presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular, talvez em M.G.S, o transplante tenha acelerado a progressão da doença. Os demais, aparentemente, estão tendo evolução natural de Duchenne. Exame neurológico feito por determinação judicial em T.M., no final de 2000, confirma. O neuropediatra e perito Jorge Humberto Barbato Filho, de Santa Catarina, não constatou qualquer melhora no agora rapaz de 20 anos. Em seu laudo afirma: eventuais melhorias atribuídas ao tratamento devem-se ao uso no pós-implante de drogas imunossupressoras e fisioterapia, que podem prolongar a vida dos pacientes. Ou seja, o transplante não aumenta nem melhora a qualidade de vida, e maltrata bastante a criança: as mais de 750 injeções aplicadas em várias áreas do corpo causam dor, inchaço, feridas, entre outras reações. Ainda desgasta emocionalmente, tanto pacientes, quanto familiares. “Prefiro ir a macumbeiro do que fazer de novo”, garante o pai de A.C., José Tadeu Cruz. Dona Hermínia Cordeiro também não repetiria o transplante: “É muito sofrimento para nada”. Já se tivesse condições financeiras, Elisete Moraes, mãe de L.T.F.M., tentaria mais uma vez: “Por desencargo de consciência a gente faz tudo, tudo mesmo”.

Por que é ineficaz

13.Jul.2002 |  Coração, diafragma e demais músculos do corpo humano precisam, para se contrair, da produção de certas proteínas. A distrofina é uma fundamental: funciona como moldura para as células musculares, mantendo-as íntegras. Sua ausência, devido a problema genético, é a causa da distrofia muscular de Duchenne. Essa descoberta levou pesquisadores a testar o transplante de mioblastos. A exemplo do que acontece num gramado, esperava-se que, injetados em músculos doentes, os mioblastos iriam sobreviver, enraizar e espalhar-se pelo corpo, produzindo distrofina em quantidade suficiente. Nada disso, porém, aconteceu. Além de rejeição imunológica, o método não melhorou a força muscular e sequer o processo de degeneração do músculo foi diminuído. Quatro prestigiosos grupos de pesquisadores americanos e canadenses provaram a ineficácia do método. Entre eles, o liderado pelo professor George Karpati, do Instituto de Neurologia da Universidade de Montreal, Canadá: “O método é ineficiente em quaisquer mãos”, garante.

Incluem-se aí, claro, as do fisiologista chinês radicado nos EUA Peter K. Law. “Ele nunca apresentou resultados de longo prazo; apenas com 30 dias”, questiona o neurologista Acary Bulle de Oliveira, chefe do serviço de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp.

Além disso, o fisiologista recusa-se a debater e a oferecer à comunidade científica para estudos biópsias dos músculos de seus pacientes. Também não menciona em publicações nem em seu site que vários portadores de Duchenne transplantados já morreram. “Até hoje não sabemos se o tratamento influenciou a idade da morte ou a maneira pela qual morreram”, preocupa-se o professor Terence A. Partridge, chefe do grupo de Biologia Celular do Músculo do Imperial College School of Medicine, em Londres, Inglaterra. A inquietação procede, até porque Law não relatou à Food and Drug Administration (FDA) efeitos colaterais apresentados pelos pacientes ao tratamento, tais como: náusea, vômito, inchaço de glândulas parótidas, têmporas, pálpebras e pernas, feridas no local das injeções, febre, dor de garganta, aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos.

Como explicar então o alegado sucesso do método? Uma das hipóteses é o diagnóstico inadequado. Uma infração detectada em um dos seus estudos pela FDA dá margem a essa suspeita: pacientes foram incluídos em pesquisas sem que os diagnósticos estivessem confirmados. Por isso, Victor Dubowitz, chefe da Unidade Neuromuscular do Imperial College School of Medicine, em Londres, insiste: “No momento, não há qualquer evidência que nos autorize a aplicar o método em pacientes com Duchenne ou qualquer outra forma de distrofia muscular”.

Chegar aos 30 anos já é possível

13.Jul.2002 |  A distrofia muscular de Duchenne compromete o diafragama (músculo fundamental à respiração localizado logo abaixo do osso esterno, no centro do tórax), e, ao redor dos 15, 16 anos, o jovem perde a capacidade de puxar ar para dentro dos pulmões. Resultado: oxigenação deficiente do organismo, dias e até semanas sem uma noite de sono, sobrecarga do coração, infecções respiratórias freqüentes e óbito. Mas esse quadro felizmente está mudando graças à ventilação assistida com o bipap. “Pela primeira vez temos um grande avanço”, informa a geneticista Mayana Zatz, presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular, Abdim.

O portador de Duchenne tem pulmões normais, e – atenção ! -- receber oxigênio puro pode ser fatal. A sua dificuldade respiratória deve-se à fraqueza do diafragma. Daí a grande importância do bipap. Semelhante à máscara de inalação, o aparelho leva ar para os pulmões, o que melhora a oxigenação e diminui a sobrecarga cardíaca. “Introduzido no momento certo, prolonga a vida e sua qualidade”, ressalta a médica Ana Lúcia Langer, uma das diretoras da Abdim.

Trocando em miúdos: aumenta a sobrevida 10 anos, no mínimo, reduzindo drasticamente as infecções respiratórias (principal causa de óbito) e as hospitalizações. Por isso, a Abdim batalha para garantir o acesso gratuito dos portadores de Duchenne ao equipamento. Em setembro de 2001 ganhou o primeiro round: o Ministério da Saúde aprovou portaria assegurando esse direito. Agora trava o segundo: fazer com que saia do papel.

O uso do aparelho não significa, segundo médicos sérios, abrir mão das seguintes medidas que ajudam a aliviar os sintomas dos portadores de Duchenne:

- Fisioterapia – deve ser constante, e iniciada o mais cedo possível.

- Corticoterapia – na maioria dos casos, os corticosteróides por via oral diminuem a velocidade de progressão da doença. Conseqüentemente, permitem que a criança ande por mais tempo. Entretanto, como tem efeitos colaterais, sua administração deve ser muito controlada.

- Cirurgia para correção dos tendões, principalmente de membros inferiores – visa a diminuir a imobilidade que a retração acarreta. Afinal, à medida que os músculos se atrofiam, há retração correspondente dos tendões e tendões retraídos deformam as articulações. Rotina na Europa e nos EUA, essa cirurgia já está sendo realizada aqui, segundo a neurologista e professora Umbertina Conti Reed, chefe do Ambulatório de Distrofia Muscular do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Ela possibilita maior participação social da crianças”, explica.

Apos ler este texto, podemos concluir que se o Dr. Euclydes Marques acaba de escrever um livro, é sinal de que todas as barbaridades foram esquecidas nao é mesmo?


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