Apesar das diversas reportagens sobre o assunto, sempre em uma imprensa restrita, os transplantistas continuam afirmando que tráfico de órgãos é um mito, e que não há ninguém condenado em definitivo por este tipo de crime.
Em um ponto, eles estão certo. Não há nenhuma condenação definitiva para alguém que tenha sido acusado de tráfico de órgãos. A impressão então, é de que não há este tipo de crime. Você já deve ter ouvido alguém usar a frase "sensação de impunidade no Brasil", não é mesmo? Só que de sensação, não existe nada. Existe a impunidade como ela é, e não apenas uma sensação. No Brasil, só paga pelos crimes os que não tem recursos para se defender. Quem se defende ou tem influência, dificilmente enfrenta a pena.
No caso de tráfico de órgãos, a impunidade é vexatória. Envergonha uma justiça que já perdeu a vergonha há muito tempo. Trata-se de uma grande armadilha criada pela justiça que vou desvendar neste texto.
Veja o que está acontecendo neste momento, nos casos relacionados abaixo:
TAUBATÉ
O caso de Taubaté, denunciado pelo médico Kalume, já fez o seu 30o. aniversário sem que a justiça tenha dado um veredito. Inexplicavelmente (ou nem tanto), um tribunal não tem competência para julgar um caso durante 30 anos. Os acusados já foram condenados e os recursos já duram 5 anos, e tudo indica que acabará este processo em pizza. Sensação de impunidade???
As provas são inquestionáveis, os acusados foram condenados em juri popular, e a justiça simplesmente não é capaz de dar o veredito. Enquanto isto, os assassinos continuam trabalhando e vivendo naturalmente como se nada tivesse acontecido. Alguém com muito poder, segura o processo em uma gaveta para que mofe até apodrecer. A justiça brasileira é suja, desonesta e tendenciosa. Tende para o lado que pagar mais.
POÇOS DE CALDAS
O caso de Poços de Caldas caminha para o mesmo rumo. Julgamentos adiados várias vezes, por motivos banais, processos em 2a instância que simplesmente não andam e tudo vagarosamente indo para a vala do esquecimento. Para o limbo da impunidade. Para a satisfação de certos magistrados, desembargadores e promotores (que parecem não se importar com a demora), a demora alimenta a corrupção. Quanto mais demora, mais dinheiro deve ser pago pelos interessados em parar o processo. Quando mais se paga, mais para o fundo da gaveta, o processo é acomodado.
E qual é a armadilha?
Em 2007 entrei com uma ação na OEA (Organização dos Estados Americanos) contra o Brasil. E foi então que tive uma grande e desagradável surpresa: Enquanto o Brasil não der a sentença definitiva, nada pode ser feito fora do país. O governo brasileiro, aliás, utiliza justamente este argumento: Nós ainda não temos uma decisão final que possa ser questionada. Ou seja, o caso ainda está em andamento.
Nesta semana, comecei a fazer contatos na Comissão Européia de Direitos Humanos, onde estou sendo orientado por uma equipe desta entidade. A primeira boa notícia é que aqui, eu tenho direito como cidadão europeu. A segunda boa notícia é que a punição pode se extender aos que estão nadando em propinas para manter o processo parado. E a única notícia ruim é que enquanto não houver uma decisão final, não posso fazer nada.
Entenderam? A justiça brasileira não dá uma decisão para os casos para que não possamos agir fora do país. Sabem que sem uma sentença, nada poderá ser feito. Então seguram os processos por 15, 30 anos, para que as vítimas fiquem atadas e sem possibilidades de ação.
Os vigaristas são especialistas. Sabem e conhecem todos os passos da impunidade. A impunidade não é gerada ao acaso. Ela existe e é muito bem planejada.
A IMPRENSA
Quando a imprensa não tem medo, e noticía tais fatos, a justiça se vê obrigada a agir. Nos casos de tráfico de órgãos, o espaço que resta é virtual, através de poucas notícias que conseguimos distribuir. Impera a lei do silêncio. Para cada linha escrita sobre o tráfico de órgãos, são publicadas páginas e páginas em apoio aos transplantes, que como sabemos, no Brasil, estão nas mãos de pessoas desonestas. Pessoas capazes de contrariar leis e apoiar quem mata para manter a aparência de um serviço eficiente (que aliás, não é).
SÃO SÓ DOIS CASOS!
Não! São duas cidades. Mais de 15 vítimas. Além disso, para quem se informa sobre as histórias, percebe o quanto é difícil levar uma investigação adiante. São ameaças, pessoas influentes (médicos, deputados e até promotores) que fazem o impossível para abafar o assunto. Testemunhas assassinadas, sumiço de provas e humilhação das vítimas, acusadas de sofrerem de problemas mentais. Todos que denunciam este assunto, sofrem grande pressão para abandonar a idéia. Se tivessemos instituições sólidas, o número seria muito maior.
O QUE FAZER ENTÃO?
Documentar é a palavra chave. O tempo passa e geralmente tudo se perde. O importante é armazenar todos os dados possíveis sobre os envolvidos, desde os réus, até seus cumplices. Um dia este processo vai ter de acabar, ou ficará claro que o mito só é mito porque não foram homens para julgar. A comissão européia de direitos humanos está aberta. Só resta a justiça brasileira criar um pouco de vergonha na cara e fazer o seu trabalho que custa a você que está lendo, mais de 60 bilhões por ano. 60 bilhões para corruptos e incompetentes, que o único resultado que produzem é a impunidade.
Assim é muito fácil criar um mito!
Mas o mito mesmo não é o tráfico de órgãos e sim a seriedade e imparcialidade da justiça brasileira.
O mito é a fila de transplante que é fraudada diariamente para o benefício de alguém que pode pagar e passar à frente daqueles que estão a beira da morte, com a ajuda - que ironia - da própria justiça, que concede autorizações para transplantes fora da fila.
Isto sim é mito!