Desembargadores comprados

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quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

Brasil: onde o crime compensa

Eu recebo dezenas de denúncias diariamente, mas esta que vou narrar merece um destaque especial pois mostra vários crimes, em várias áreas envolvidas, vomitados com a mesma falta de esperança e perspectiva de uma típica família brasileira. Os nomes obviamente foram trocados por uma questão de segurança e não privacidade.

Sendo assim, batizo o meu principal personagem de João.

Casado, 30 anos, 1,98m, pai de 2 filhas sendo uma delas adotiva. Poderia omitir algumas informações, mas acho que é interessante que você conheça o perfil de João. Cerca de 3 meses atrás, desempregado, resolveu estabelecer-se como camelô em uma rua movimentada de São Paulo. Os negócios deram certo e ele estava conseguindo sobreviver, aguardando o nascimento de sua terceira filha, que ocorrerá no próximo dia 29 de janeiro de 2007.

No dia 2o dezembro, João recebeu uma facada no peito. Na verdade, uma canivetada. Os motivos não foram narrados pela mãe da vítima que foi a relatora do fato, mas ela afirmou que o autor da covardia também trabalha no ramo e parece que recolhe propinas para uma máfia que já foi diversas vezes denunciada, sem causar incomodo ao poder público.

Pausa! Quando falo "poder público" leia-se "Ministério Público ou Polícia" e não "PCC".

Socorrido imediatamente, João foi internado em um Hospital cujo nome não vale a pena saber neste momento, com uma pequena perfuração no tórax. Um telefonema fez com que a mãe passasse a acompanhar pessoalmente o caso porém, sem ter acesso ao próprio filho.

Em princípio, a canivetada não parecia ser grave, e os médicos informaram a família que João teria alta em 2 dias. Poderia certamente passar o natal com a família. A mãe levou os pertences pessoais de João, tais como pasta de dente, escova de dente, roupas e um par de chinelos havaianas branco (ela fez questão de citar todos os detalhes).

Depois de fazer um pequeno escândalo, finalmente levaram a mãe de João para vê-lo. Ele estava - conforme os relatos de sua mãe - sentado em uma cama, respirando com uma máscara de oxigênio, e ao reconhecer a mãe tentou levantar-se para abraça-la. João quase caiu graças a fraqueza e teve de ser amparado por um enfermeiro. Logo, expulsaram aquela senhora da UTI onde João estava.

Durante todo o dia, a esposa grávida de 8 meses e a mãe de João tentavam obter informações sobre o quadro clínico do paciente, mas ninguém dava qualquer informação. Quando ela narrou esta dificuldade, pensei em qual seria a dificuldade em informar a família aflita que aguardava do lado de fora.

Por que quando é uma celebridade qualquer, os hospitais informam de hora em hora através de boletins, o estado de saúde do mesmo?

Por que os familiares de João não poderiam saber o que estava acontecendo?

Mais tarde, a mãe de João finalmente conseguiu a atenção de um médico. Mas as informações não eram nada boas. Segundo o médico, João estava praticamente morto, sem chances de sobrevivência. A mãe ficou completamente chocada, pois viu o filho sentado que ainda tentou falar com ela.

O médico alertou que João seria submetido a uma cirurgia de grande porte, mas que era uma cirurgia de praxe, pois o mesmo não tinha qualquer chance. Estava morto ou praticamente morto. A todo tempo a esposa de João era afastada daquela área do hospital para que fosse poupada dessas informações, sob pena de parir ali mesmo.

Alguns minutos depois, uma maca levando a vítima passa em direção ao centro cirúrgico. João olha para a mãe e a acompanha com a cabeça até virar o corredor e desaparecer. João sorriu como um adeus e se foi, literalmente falando.

Um enfermeiro do hospital procurou a família e avisou: O problema do seu filho não é a perfuração causada pelo canivete. O problema dele é outro e foi causado aqui dentro deste hospital. Mas eu não posso falar nada.

Terminada a cirurgia, a mãe de João foi procurada por um grupo de pessoas. O médico, e algumas mulheres que não possuíam qualquer credencial hospitalar ou cracha de identificação. A mãe relatou que o médico não olhava em seus olhos. Começou a falar sempre com a cabeça baixa e os olhos voltados para o chão.

- Senhora, como já havia lhe informado, infelizmente foi uma fatalidade, a cirurgia foi excelente mas o estado era grave e seu filho faleceu. Agora gostaria que a senhora falasse com estas pessoas que estão aqui.

A mãe olhou para as acompanhantes do médico e disse que não acreditava que o filho estava morto.

- Eu vi meu filho vivo indo para o centro cirúrgico. Como pode estar morto?

Uma das acompanhantes do médico aproximou-se e passou a consolar a mãe da vítima.

- Olha senhora, eu entendo a revolta de uma mãe que assistiu durante todo o tempo a luta do filho pela vida. Mas agora que a senhora o perdeu, precisamos pensar nos outros. Se a senhora assinar aqui neste formulário, estará salvando a vida de muita gente. A doação de órgãos é muito importante!

- Eu não vou doar nada à ninguém. Meu filho está vivo. Como o sr. sabia que meu filho estava morto antes mesmo da cirurgia? Por acaso tem bola de cristal?

As outras acompanhantes tentaram convencer a mãe a doar também rins, fígado, coração, córneas e outros tecidos. Todos os pedidos foram negados. A equipe desistiu de obter a autorização e só 24 horas depois o corpo foi liberado pelo IML, já para o sepultamento, uma vez que a pedido dos familiares, o velório não seria realizado. A esposa da vítima estava grávida e prestes a dar a luz. Avaliaram por bem pular a cerimônia funebre.

Quando a família queria saber do estado de saúde de João, nenhum jaleco branco veio informá-la, mas para pedir que "pensasse nos outros" num momento tão difícil, vieram "anjos" e fizeram fila para consolá-la.

Parecia este ser o final, mas não foi. João não foi reconhecido pela família, pois estava completamente deformado. O rosto desconfigurado, e só mesmo o tamanho do caixão era um indicativo de que ali estava a vítima. Amigos de João também não o reconheceram. A mãe pediu então que abrissem o caixão, mas o pedido foi negado:

- Senhora, o caixão está lacrado. Não pode ser aberto.

Segundo o atestado de óbito, João faleceu vítima de uma perfuração no tórax e anemia aguda. Causa morte que não justifica a lacração do caixão. Depois de brigarem muito por um direito desprezado, João foi enterrado.

A mãe então finalmente poderia descansar daquela maratona de 48 horas - desde a entrada de seu filho no dia 20 de dezembro de 2007 até a sua morte ocorrida no dia 22 segundo o atestado de óbito. Mas faltava ainda informar a delegacia que seu filho estava morto, pois o agressor - que quase foi linchado - estava detido. Uma vez tendo o João falecido, o crime agora era homicídio.

Ao chegar na delegacia a família passou por uma outra decepção. O assassino - que já respondia por dois homicídios na Bahia, realizados com arma branca (leia-se faca), foi encaminhado a um pronto socorro onde recebeu devidamente todos os cuidados médicos pela tentativa de linchamento, e foi liberado em seguida. Está em liberdade e provavelmente não será pego novamente, uma vez que sequer tiveram o cuidado de registrar o número de sua identidade.

O delegado que atendeu, fez ampla defesa do acusado, alegando inclusive que canivete nem era arma.

Se você leu este texto até aqui, saiba que este relato é puramente expressão da verdade, narrados diretamente a mim e que faço questão de reproduzir neste blog, pois diferente do que você possa imaginar, isto é mais comum do que todos nós acreditamos. Eu não tenho qualquer receio em afirmar que a exumação que será requerida nos próximos dias, mostrará que não tiraram só a vida de João, como também lhe roubaram os órgãos. Por isso João estava deformado e o caixão estava lacrado.

E o autor da canivetada?

Quem vai prender aquele que já matou três pessoas e está em liberdade?

Seria pedir demais num país onde tudo pode acontecer, que João fosse respeitado como um cidadão. Certamente se João fosse desonesto e mal feitor, teria toda a assistência das autoridades. João deve ter escolhido o caminho errado. Talvez todos nós estejamos mesmo no lado errado.

O governo do estado de São Paulo, admitiu um médico que responde pelo homicídio de uma criança de 10 anos - meu filho - cujos órgãos foram vendidos pelo mesmo. E diz para imprensa que o "crime organizado" precisa ser exterminado. Acho que para derrotarmos o "crime organizado" devemos começar limpando o governo.

3 comentários:

Érika disse...

Por que lacrar o caixão?
Por que pedir órgão quando a causa da morte foi hemorragia e não morte cerebral?
Por que o rapaz foi lúcido para a cirurgia e morreu logo depois?

Por que? por que? por que?
São tantos por quês que dá medo de viver neste país.

Medo porque, ontem, foi com "João". Hoje, está sendo com "Pedro".

Amanhã... a única certeza é de que será com um outro brasileiro, que pode ser eu ou você.

Triste, revoltante, tenebroso.

Depois pedem para não prejudicarmos a imagem do país... e precisa?

Em tempo: dá para uma família viver normalmente depois disso?

edilviana disse...

Gostaria que se possivel, fosse publicado o laudo após a exumação do corpo desse rapaz!! meu Deus qta sujeira nese pais!!

dsecchi disse...

Realmente não tenho palavras para descrever o que estou sentindo... vergonha, medo, tristeza, uma mistura difícil de entender, afinal, somo seres humanos tratados com descaso, esse país precisaria acabar e recomeçar novamente.....