Desembargadores comprados

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domingo, 2 de junho de 2013

Depoimento esclarecedor. Vale a pena ler.


Na abertura dos trabalhos da CPI do Trafico de Orgaos em 2004, logo apos o meu depoimento, foi a vez de Liliana Elias Cardoso falar sobre a morte do seu filho e o que aconteceu com os seus orgaos. A Dra. Liliana era medica veterinaria do exercito em Brasilia e apos uma enorme tentativa em descobrir a verdade, parece ter cansado e desistiu. Ja tentei varios contatos, mas nao obtive respostas.

Revendo a documentaçao que tenho sobre o tema trafico de orgaos, que esta sendo traduzida para o  ingles, decidi usar este depoimento que é muito importante, pois retrata o que o Estado brasileiro e demais autoridades, tem feito em relaçao a denuncias de trafico de orgaos.

Liliana Elias Cardoso e o filho Marcos, cujos orgaos
desaparaceram misteriosamente em Brasilia.
Boa-tarde, senhores. Em primeiro lugar, eu queria me solidarizar com o Paulo, porque, assim como ele, eu também sou mãe, também perdi um filho e também optei pela doação. Da mesma forma como ele, eu também desejei que isso atendesse, que essa minha atitude atendesse pessoas que precisavam de órgãos na lista de espera, também da mesma forma como ele, eu percebi que, durante a nossa busca de respostas, o que é normalmente questionado é a nossa idoneidade, e o fato em si ou os fatos em si envolvendo aquilo que ocorreu ou deixou de ocorrer são poucos investigados. Gostaria muito de não estar aqui, gostaria de ter conseguido essas respostas nas outras instâncias às quais eu recorri. 


Fico muito triste por ter chegado a esse ponto, mas eu acho que é este o momento de se fazer uma reflexão sobre o que está acontecendo e lembrar que não se faz transplantes em nenhum lugar se não tiver doador e a gente não vai ter doador se o sistema de saúde não atender direito, não atender com dignidade a família, esse doador e não disponibilizar de todos os meios possíveis e imagináveis para que a gente possa fazer investigação e levantar a verdade, só a verdade, nada mais, porque é só isso que as pessoas que estão aqui estão buscando. 

Isso eu tenho a certeza absoluta. Por isso que eu gostaria de deixar registrado que a experiência do Paulo certamente não é única. Eu vou ler rapidamente, eu não tenho muito material, é bem rápida a minha experiência, só para que haja uma situação do fato. No dia 2 de março de 2002, entre 18h30 e 19h, o meu filho de 9 anos chegou ao hospital de base com traumatismo crânioencefálico por conta de um acidente. Eu fiquei com o meu filho entubado na emergência por 24 horas, porque não ocuparia um leito de UTI com paciente a caminho de morte cerebral. No dia 3 de março, de manhã, os médicos reapareceram. O neurologista afirmou que o seu estado era irreversível e perguntou se eu autorizaria a doação dos órgãos. Disse que autorizaria, desde que o hospital tivesse condições de realizar os procedimentos porque eu tinha certeza de que isso era muito complexo, eu não tinha certeza se o hospital poderia fazê-lo. O médico me respondeu que eu deveria aguardar a presença da chefe da equipe de captação de órgãos para tirar minhas dúvidas. 

Várias horas depois, eu saí para dar notícias a amigos e familiares e, quando eu retornei, haviam começado um exame para verificação de morte cerebral no meu filho e novamente me informaram que não havia ninguém para tirar minhas dúvidas, que eu deveria esperar pelo chefe da captação, que era o único autorizado a me dar as explicações. 

Nós estávamos, eu e meu filho, em plena emergência lotada, o técnico do eletroencefalograma tentava afastar as pessoas que passavam por perto do leito para não atrapalhar o exame. Eu não fui avisada do início dos procedimentos de verificação de morte cerebral, como prevê a lei, nem me informaram que eu poderia chamar um médico, trazer um médico da minha confiança para acompanhar esse tipo de procedimento

Já à noite desse segundo dia, o meu filho foi para uma vaga de UTI, e me disseram no elevador que ele estava indo para a UTI, porque ele era provável doador, porque senão não teria ido. No início da noite... No início dessa noite, eu conheci o chefe da Central de Captação de Órgãos do Distrito Federal, que trabalha dentro do Hospital de Base. No início da noite do dia 4 de março, o meu filho foi levado para o centro cirúrgico. Já haviam sido selecionados receptores para córneas, rins e um receptor para fígado e me disseram que coração, pulmão ou qualquer outro tipo de órgão ou tecido não seriam remetidos para nenhum outro lugar porque eles não tinham condições de fazê-lo, apesar das inúmeras campanhas clamando, pedindo, implorando por órgãos neste nosso País. 

Na manhã do dia 5 de março, eu fui informada pelo chefe do transplante hepático do Hospital de Base não ter sido possível realizar o transplante hepático por falta de material ou equipamento considerado imprescindível à manutenção da vida do receptor. Então, aí eu me pergunto: 

- Por que retiraram o fígado do meu filho se não tinham condições de fazer o transplante? 
- Por que o meu filho não foi encaminhado a um centro que tivesse condições de fazer esse tipo de procedimento? 

Porque qualquer família que doa, não doa por doar; doa porque quer ver o transplante realizado. O mesmo médico que me disse que o transplante não havia sido realizado, disse que esse órgão, o fígado, havia sido encaminhado para a anatomia patológica do hospital, onde estava o seu corpo, aguardando remoção para o IML, para a realização da necropsia. 

Depois dessa necropsia, durante o funeral do meu filho, eu percebi a ausência de glóbulos oculares, um afundamento das órbitas, que eu não esperava, já que a autorização para a captação mencionava córneas, que são tecidos, e não olhos. Apesar de se saber que isso é hábito, não é isso que estava na autorização. Quando eu retirei o laudo de necropsia do IML, algumas semanas depois, eu verifiquei que o fígado, que não foi aproveitado no transplante, também não foi devolvido ao corpo do meu filho

Eu fiz o funeral do meu filho acreditando que o seu corpo estava recomposto, apenas sem os órgãos ou tecidos, que estavam beneficiando receptores selecionados. O meu esforço para saber para onde foi o fígado doado obteve 2 respostas divergentes: 

- O Hospital de Base, através de uma sindicância, afirma que o fígado foi encaminhado para o lixo hospitalar e incinerado, que não tem registro da entrada, nem saída e nenhum documento comprobatório. 

- O Ministério da Saúde, que recebeu o mesmo tipo de solicitação, informa que o fígado foi sepultado no cemitério local, dentro das rotinas existentes e obedecendo à legislação. 

Pouco depois — meses depois, aliás —, ainda observando o laudo do IML, comparando com o termo, com a declaração, a autorização para a retirada dos órgãos, eu percebi que o pâncreas do meu filho também havia sido retirado, apesar de não constar na autorização de doação, e nem na lista de órgãos captados, e nem no seu prontuário. Encaminhei solicitações pedindo esclarecimentos para vários órgãos: encaminhei para o Conselho Federal de Medicina, a 2 anos atrás, uma solicitação pedindo a apuração dos fatos — fazendo aniversário agora, neste mês. 

Dois anos, até agora eu não obtive nenhuma resposta. O Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde também tomou conhecimento do caso, pediu para que eu encaminhasse um relato detalhado do que aconteceu, que eu providenciei, e até hoje eu não obtive resposta. Encaminhei para a Auditoria do Ministério da Saúde uma solicitação de valores pagos. Na resposta, eu pude perceber que os valores pagos a respeito do tratamento do meu filho para o Hospital de Base não correspondem a um doador de órgãos. Inclusive, relatando tratamento ou inclusão de prótese, que ele não fez. O Ministério Público também foi acionado. Eu entrei, em março de 2002, com uma denúncia e, por volta de julho de 2002, a denúncia foi arquivada, descrevendo que “o fato de o fígado não ter sido transplantado não constitui crime”

Mas não foi feita indicação sobre o destino do órgão. Com relação à Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, encaminhei a esta entidade um email relatando também o que aconteceu, resumidamente, com o meu filho, e eles me fizeram um contato pedindo um telefone para que nós conversássemos. Eu encaminhei o telefone e o endereço para contato. Esse contato foi feito, no entanto nós não conseguimos terminar a conversa, a ligação foi interrompida. Mas em nenhum momento a resposta para o meu questionamento foi dada. Acho que a única pessoa que respondeu à minha solicitação de resposta foi o ex-Presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, se não me engano de 98, que me encaminhou uma carta lamentando o que tinha acontecido comido, que era um dos piores exemplos do que poderia se chamar captação de órgãos no nosso País e que eu não deixasse de acreditar. E é isso que eu estou tentando fazer. No final dessa história toda, eu percebi o seguinte — isso para mim é um fato inquestionável — hoje, a família do doador não tem a quem recorrer. Isso para mim é inquestionável, porque eu passei por isso e ouvi vários depoimentos. A resolução sobre morte cerebral muitas vezes não é cumprida. Foi como aconteceu comigo. Ninguém é contra a doação. Tanto que quem está aqui fez a doação de órgãos. Os estrangulamentos não estão claros onde acontecem. E o fato de se comemorar número de transplantes no nosso País não resolve nada, porque a gente não sabe exatamente o que está acontecendo. 

São poucas as pessoas que se arriscam a buscar respostas. E as pessoas que se arriscam sofrem muito. E, de fato, o que eu gostaria de pedir era que o tratamento da família do doador fosse prioridade. Prioridade absoluta, nesse caso, para que a gente pudesse ter segurança de que qualquer coisa que não cumpra a legislação possa ser fiscalizada, possa ser meticulosamente levantada para que a verdade sempre prevaleça. 

E eu não gostaria mais de ouvir coisas do tipo: “O seu filho já está morto. Por que tudo isso?” ; ou, então: “Por que você está fazendo tudo isso? Você acha que isso vai dar em alguma coisa?”; ou, então: “Olha, o teu caso é para protelar.” Isso são coisas que a gente ouve. E a gente não quer mais ouvir isso. Por isso, eu coloco a minha esperança e me coloco à disposição para fornecer todos os documentos comprobatórios que forem necessários para esse tipo de trabalho.

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