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Weslei Silva - 7 anos |
Há muitos meses, narrei aqui no blog o caso do garoto Weslei Silva (foto). Ele sofreu um acidente muito semelhante ao Paulinho e o resultado foi a morte. O problema é que a morte de Weslei poderia ter sido evitada, mas não foi. O que vou relatar agora é um retrato da medicina nazista brasileira, acompanhada de um juiz cuja atitude deveria ser investigada.
RESUMO
Weslei foi levado para um "hospital" em Palhoça, cidade onde sofreu um acidente doméstico ao cair de uma laje. Ainda em Palhoça, diante da gravidade do caso e da falta de estrutura no atendimento, Weslei foi transferido para o Hospital Julia Gusmão em Santa Catarina, especializado em atendimento pediátrico. Neste hospital foi confirmado que Weslei sofria de traumatismo craniano. E então começa a brincadeira. Sim, o que fizeram foi uma brincadeira que custou a vida do garoto.
VAMOS AOS FATOS
Weslei foi atendido por alguns médicos que em suas avaliações concluíram que o caso não precisava de uma intervenção cirúrgica, mas sim, apenas monitoramento. Ele chegou ao hospital com trauma craniano leve. Sem a monitoração adequada (NÃO FOI LEVADO A UTI), a saúde de Weslei foi declinando cada vez mais a ponto de evoluir para uma situação onde a UTI passará a ser essencial para a vida. O hospital relatou que não havia UTI disponível em todo o momento em que Weslei esteve por lá.
Sem uma UTI disponível, o garoto entrou em óbito. Eis que surge uma variável inacreditável! Uma UTI foi oferecida para manter os órgãos do garoto. Meses mais tarde, através de um esforço pessoal, a mãe conseguiu documentos que comprovavam a existência de UTI´s disponíveis naquele período, mas não havia mais nada a fazer. Apenas levar o caso a justiça.
O ESTILO BRASIL DE APURAR OS FATOS
Para a apuração dos fatos, foram ouvidos os acusados, que relataram algo que jamais poderia imaginar. Eles disseram que o garoto morreu pois não era possível advinhar se ele sobreviveria ou não. Eles também afirmam que não é possível dizer que se o garoto tivesse sido internado em uma UTI, sobreviveria. Ou seja, sem bola de cristal, não dá para saber o resultado!!
Todos os entrevistados se disseram inocentes e disseram também que fizeram de tudo para salvar o garoto com trauma craniano leve, mas sem sucesso, pois não era possível prever o que aconteceria se o tratamento adequado tivesse sido aplicado. Alguns disseram que mesmo com o tratamento "provavelmente" morreria do mesmo jeito. Fato que vou demonstrar mais adiante.
INQUÉRITO POLICIAL
A tarefa consumiu mais de 1 anos e terminou como começou. Ninguém indiciado, nenhum acusado e o fato da UTI ter sumido e aparecido somente quando Weslei quase tornou-se um doador de órgãos foi esquecido.
MINISTÉRIO PÚBLICO
Este já é conhecido. O Ministério Público apresentou uma denúncia cheia de falhas e apontando para o lado errado. O médico Wilker Knoner Campos, neurologista e responsável pelo atendimento de Weslei não acompanhou o garoto. Disse que estava ocupado pois o hospital tinha muitos pacientes. Deixou a cargo de um residente sem experiência para um caso como este. Por várias vezes, orientou tal residente por telefone, sem ter contato com Weslei. O CRM-SC disse que isto é normal e não vê ali qualquer problema. Se levado a sério, até o secretário de saúde do estado deveria responder pela morte do garoto. Mas Brasil, sabe como é né? Um dinheirinho aqui, um presentinho ali e danem-se os brasileiros que já estão acostumados a serem tratados como lixo.
JUSTIÇA - Este é o último tópico e também o principal.
O juiz pouca prática Alexandre Morais da Rosa rejeitou a denúncia. Em parte por culpa do inquérito mal feito e da denúncia ridiculamente mal elaborada. Para colaborar com o absurdo e pisar no cadáver do garoto, o juiz superou as instituições anteriores.
Ao ler a rejeição da denúncia (que obtive cópia na íntegra), tive a certeza que UTIs não servem para nada se não tivermos certeza do que acontecerá lá dentro. Vejamos alguns trechos de depoimentos dos médicos envolvidos.
O médico José Eduardo Coutinho Goês declarou que atendeu a vítima por volta de 1h do dia 13 de agosto de 2012, quando teria sido chamado pelos médicos da emergência para avaliá-la. Destacou que nesta avaliação foi constatada a existência de depresão grande do nível de consciência da vítima, requerendo-se assim a proteção das vias aéreas e ventilação mecânica, procedimentos que devem ser realizados dentro da UTI.
Weslei já tinha piorado e a UTI era essencial, como o próprio médico registrou.
Ivana Kruser Vanin, Indagada se o óbito poderia ser evitado caso a vítima fosse transferida anteriormente para uma UTI, respondeu negativamente, acrescentando que quando realmente houve necessidade a vítima foi transferida, mesmo não havendo vaga (fls. 28-230).
Como a vítima foi transferida se não havia vagas?? E como ela tinha tanta certeza de que Weslei morreria mesmo recebendo suporte de uma UTI.
A médica Audrei Weirich Wolfart, Relatou que como não poderia realizar pessoalmente tal monitoramento, já que tinha muitos casos na emergência para cuidar, concluiu-se que a vítima necessitaria ser encaminhada à UTI, o que não foi possível em virtude da superlotação da ala. Perguntada sobre qual procedimento poderia ser realizado para que a morte encefálica da vítima não ocoresse, respondeu que, como o caso não era de intervenção cirúrgica, caberia apenas o monitoramento da vítima, o que teria sido feito. Quanto a se o óbito poderia ser evitado caso a vítima tivesse sido anteriormente internada na UTI, informou ser difícil responder, ante a impossibildade de se prever a evolução do caso. Por fim, destacou não ter constatado nenhuma negligência por parte da equipe médica, sendo todos solícitos com a vítima (fls. 234-236).
Hummm... ela relata que o garoto precisava de monitoramento, e que ela não podia monitorar pois estava ocupada. Mas garante que ele foi monitorado. Sobre a possibilidade de evitar a morte, ela diz que não pode prever a evolução do caso. Ninguém pode!! Por isso se faz necessária a monitoração em uma UTI para que eventuais problemas sejam controlados. Isto sim pode! Não fosse assim, não haveria necessidade de UTI! Ninguém pode prever o futuro.
Vinicius da Costa Avila, médico no HIJG no setor da UTI, Questionado se com uma transferência anterior para a UTI o resultado do TCE poderia ser diverso, respondeu que não, visto que tal quadro não seria indicativo de cirurgia, sendo tratado com medicamentos, os quais já estavam sendo ministrados, de modo que a transferência para a Unidade de Terapia Intensiva somente se justificaria para maior supervisão. Destacou, ainda, que já houve casos de pacientes com o mesmo quadro da vítima que foram internados prontamente na UTI e evoluíram para morte encefálica da mesma forma. Indagado, por fim, se poderia ter sido "dado um jeito" para que fosse feita a internação da vítima, informou que o único jeito que poderia ser dado seria retirar uma das crianças que já estavam na UTI, situação esa imposível para o momento, tendo em vista que todas elas estavam sendo monitoradas (fls. 241-243).
Este depoimento é importante. Ele diz que a UTI não serviria para nada, até porque, segundo ele, outro paciente em estado mais grave que foi internado em UTI morreu do mesmo jeito. Ora, então podemos considerar que cada paciente em Glasgow abaixo de 13 deve ser mandado para casa sob supervisão dos pais pois não há nada a ser feito! Estamos investindo em UTIs a toa! Gastamos uma fortuna com equipamentos que não podem ajudar o paciente. Acabamos de desvendar a fraude da medicina!!! Se a UTI não resolve, para que se desenvolve tanta tecnologia nestes ambientes??
Por fim, a única saída, diz ele, seria desalojar uma criança para salvar outra. Neste caso, quem tem o direito de escolher quem fica na UTI e quem sai?? Estamos diante de Deuses que escolhem quem pode viver e quem pode morrer? Qual o critério de escolha se UTI não serve para nada?
O parece do IML revela algo bastante óbvio. Vejamos:
Necessitava de tratamento mais intensivo, em âmbito de UTI. Não havia vaga naquele setor, no momento das primeiras solicitações. No entanto, não é possível afirmar que o paciente não evoluiria para morte encefálica, mesmo que internado precocemente na UTI. Não há dados suficientes para tal conclusão. O que fica claro é que necessitava de UTI, para melhor avaliação e condução do caso.
Muito bem!! O IML diz que não dá para afirmar que o paciente sobreviveria a um trauma leve que progrediu para a morte devido a falta de UTI. Mas afirma que fica claro a necessidade da UTI. Os depoimentos e pareceres são absurdos!!! Deixar de oferecer um tratamento alegando que não tem certeza que resolveria??
O médico José Eduardo Coutinho Goês, que já citei aqui, afirmou que mesmo se a vítima tivesse sido transferida previamente à UTI, não é posível afirmar, ou mesmo cogitar, que o desfecho do caso seria diverso do que de fato ocorreu.
Pessoal, pelos depoimentos, chego a conclusão que o juiz deste caso deixou de ser um julgador e passou a ser cúmplice. Pela teoria adotada - NÃO SABER SE A UTI AJUDARIA - posso criar outras teorias:
Eu gostaria de ter um filho, mas como não tenho certeza que minha esposa poderá ser fecundada, resolvi não transar!! Sim, se eu não transar, eu tenho pelo menos a certeza de que não serei pai!! Não é ótimo!
Diante de um incêndio eu não chamarei mais o corpo de bombeiros, pois eles podem não conseguir apagar o fogo. Sendo assim é melhor aceitar que o local seja consumado pelas chamas. Afinal, quem garante que os bombeiros conseguiriam?
Quando escrevi este blog pensei atingir alguns leitores e hoje estou alcançando mais de meio milhão. Se eu tivesse pensado que talvez não conseguisse, não teria criado o blog e você não estaria lendo. Mas arrisquei!
Se eu não tivesse feito o que fiz em relação ao assassinato do meu filho, os médicos teriam ficado impunes e estariam hoje comemorando na praia o fato de um assassinato ser totalmente acobertado. Mas eu fiz o que tinha de ser feito.
Quem desiste antes de tentar é porque não queria fazer! Esta é a verdade.
Indiferente a tudo o que escrevi, no mínimo, o estado deveria ser responsabilizado pela falta de leito na UTI. Segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Quem sabe o juiz também não entende que a Constituição nem deveria ser escrita, já que não seria possível prever se ela seria eficaz ou não. Ao que tudo indica, o juiz está certo. A Constituição não influencia em nada, até porque ela está sendo ignorada pelo próprio estado que deveria zelar por ela.
Para concluir, o caso foi rejeitado. Não há culpados. O culpado é o garoto Weslei de ter nascido em um país de índios, sem cultura, com corporativismo em todas as partes, e com total desprezo pela vida humana. O juiz e sua prole devem estar seguros com um bom plano de saúde que na falta de um leito de UTI bastará mostrar aos médicos com quem estão falando.
Mais uma criança para a vala do esquecimento e a concretização da ignorância e da falta de caráter de um sistema que está exterminando seus cidadãos em privilégio de poucos. Tudo isto com a ajuda de uma justiça cega e parcial, sem comprometimento com a verdade, em favor da morte.
Enquanto isto, visite o site do tribunal de justiça de Santa Catarina e se declare doador de órgãos. O certificado é emitido imediatamente, com ou sem leito de UTI. O importante é que você doe suas partes. Afinal, quem pode prever o futuro???