Desembargadores comprados

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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sobre doaçao de orgaos: A frieza que o assunto merece

Preciso aproveitar este momento, em que as minhas denuncias surtiram algum efeito (ainda que nao definitivo) para falar sobre doaçao de orgaos com a frieza que o assunto merece.

No Brasil, cerca de 70 mil pessoas estao a espera por um orgao. Eles representam menos de 1% da populaçao brasileira. A vida destas pessoas sao tao importantes quanto a de qualquer brasileiro, mas nao podem ser mais importantes que a de qualquer brasileiro.

So no ano de 2012 estimas-se que mais de 520 mil pessoas foram diagnosticadas com cancer alem dos casos ja existentes. Um universo bem maior do que aqueles que precisam de um orgao.

O governo tem ampliado anualmente os investimentos em hospitais e equipes para a realizaçao de transplantes. No Rio de Janeiro acaba de ser inaugurado um novo centro transplantador que custou mais de R$ 3 milhoes. Mesmo sem obedecer a lei de transplantes que exige o credenciamento para que um centro possa funcionar, ja fez as primeiras cirurgias que certamente serao pagas pelo SUS, mesmo que ilegais. Em todo o Brasil, o numero de centros transplantadores vem crescendo de forma preocupante, nao medindo gastos e esforços. E sao preocupante porque muitos começam a funcionar antes mesmo de possuir as autorizaçoes necessarias exigidas por leis. Ja os hospitais de cancer sao poucos, e estao concentrados nas grandes capitais pelo pais, principalmente na regiao Sudeste.

Durante estes 13 anos em que venho estudando o assunto, o que pude perceber é que existe em torno de um transplante de orgao, muito dinheiro envolvido. Sao os procedimentos mais bem pagos pelo SUS hoje.

O Sistema Unico de Saude paga para uma cirurgia cardiaca algo em torno de R$ 1.000.  Ja para uma cirurgia de transplantes, o mesmo sistema pode desembolsar mais de R$ 150 mil por uma cirurgia de transplante de figado. Se voce fosse medico, seria um cardiologista ou transplantista?

Antes de realizar um transplante renal, por exemplo, os pacientes da fila unica de saude sao obrigados a fazer sessoes de dialise por anos. Estas sessoes tambem nao sao baratas e grande parte sao pagas pelo SUS.

A captaçao de orgaos (diagnostico de morte encefalica, retirada dos orgaos, transporte, etc..) tambem é muito bem remunerada. Em alguns estados, existe até premio em dinheiro para quem notidicar pacientes com morte encefalica. Tambem nao podemos esquecer dos remedios necessarios contra a rejeiçao de orgaos pos transplantes. Atualmente eles sao distribuidos "gratuitamente" aos pacientes, mas sao pagos por todos os contribuintes, incluindo aqueles que estao com cancer. Um frasco de ciclosporina com 50 capsulas (usado contra a rejeicao), por exemplo, custa em torno R$ 100,00. Um paciente transplantado precisa tomar diariamente de 6 a 10 comprimidos de medicamentos diversos. Torna-se praticamente um "socio" das industrias que os produzem.

Nao posso esquecer tambem dos milhoes investidos todos os anos em campanhas publicitarias incentivando as pessoas a doarem seus orgaos. Ao contrario do cancer que so depende de tratamentos para salvar uma vida, os transplantes precisam de um morto doado pelos seus familiares. E sem campanha nao ha doaçao. Aqui na Europa o sistema de transplantes é bastante timido. No maximo que vejo sao cartazes pregados em hospitais e clinicas. Ja no Brasil o marketing é bastante agressivo e conta com a ajuda de artistas e celebridades.

Mas estes transplantes sao eficientes?

Este é um outro dado que muitos desconhecem. Nao existem estatisticas oficiais sobre o assunto. Os primeiros estudos começam a surgir nos Estados Unidos apos decadas da criaçao desta tecnica. Até entao, as estatisticas mostravam o numero de cirurgias realizadas e a sobrevida dos pacientes transplantados, sem considerar aqueles que morreram logo apos o implante, e diga-se de passagem: sao muitos. Estes pacientes nao sao registrados como transplantados sem sucesso. Seus casos sao tratados como mortes em decorrencia de uma cirurgia.

Casos de implantes que tiveram sucesso sao imediatamente levados a imprensa. Os que falham somem inclusive das estatisticas. Ha pessoas que durante um periodo de 10 anos ja receberem 3 rins. Uma vez que o primeiro transplante é realizado, se ha uma rejeiçao, um novo transplante precisa ser imediatamente realizado em muitos casos, para que o paciente nao venha a falecer.

Outro dado importante - e que todos desconhecem - é que o crescente numero de transplantes realizados a cada ano, nao impede o terrivel crescimento da fila de espera registrado a cada ano. E isto tem algumas explicaçoes. A primeira explicaçao é que parte daqueles que recebem um rim, por exemplo, voltarao para a fila. Outra explicaçao é que doadores de orgaos em vida, que doam um rim e ficam com outro, tambem poderao precisar de um orgao no futuro, afinal o ser humano nao pode desafiar a natureza que nos fez com dois rins. Medicos transplantistas afirmam que a doaçao em vida deve ser feita apenas para pessoas com ligaçao afetiva por esta razao. Hoje nao existe nenhuma estatistica sobre doadores que foram parar na fila.

Mas dentre todas as explicaçoes, encontrei uma que me preocupou bastante: A falta de uma medicina preventiva. A hipertensao é o grande vilao dos problemas renais. A falta de controle desta doença acaba destruindo os rins levando o paciente a necessitar de um orgao. E nao ha nenhum sinal do Ministerio da Saude para que esta prevençao seja oferecida aos seus pacientes. O SUS de hoje so atende doentes!

Se voce for a um hospital do SUS e pedir para fazer um check-up, nao sera atendido.

Um ano apos chegar na Italia, minha esposa recebeu um convite para realizar exames preventivos contra o cancer de mama e de colo do utero. Ficamos impressionados! Tal fato se repetiu nos 5 anos que vivemos ali. O convite ja vem com a data e o local agendados. Nos mudamos para Londres em janeiro e ja recebemos do governo um convite para fazermos um check-up.  O SUS provavelmente nem sabe que eu existo. Nunca me mandou sequer um e-mail. Mas ja me enviou propagandas tentando me convencer a ser doador de orgaos.

Nao! O SUS nao é mais pobre do que os sistemas de saude europeus. Ele simplesmente nao sabe usar os recursos financeiros que tem. A prevençao de doenças faria com que a fila de transplantes diminuissem consideravelmente.

Ha alguns anos o Governo Federal atraves do Ministerio da Saude, emitiu uma portaria que delegava aos medicos de UTI o poder de decidir - somente nos hospitais publicos - quem teria mais chance de viver. Na existencia de um unico leito na unidade de tratamento intensivo e dois ou mais candidatos, os medicos teriam autorizaçao para escolher quem teria maior chance de sobreviver. Os demais seriam literalmente descartados.  A ausencia de leitos de UTI é outro fator preocupante. Descobrimos nesta semana, no Sul do pais, uma medica que estava "desentulhando" sua Unidade de Tratamento Intensivo para dar mais oportunidades para aqueles que pagam planos de saude. Isto faz de uma UTI um local propicio para se diagnosticar a morte de potenciais doadores de orgaos. Na linguagem popular, seria matar um coelho com uma unica cajadada. Abre-se uma vaga na UTI e ainda fornecem orgaos para transplantes!

A portaria obviamente foi suspensa, graças a manifestaçao de parte da sociedade. Mas os leitos de UTI até hoje estao defasados.

O momento é de deixar de lado as campanhas de doaçao de orgaos criados por profissionais de marketing experientes, e pensar com a frieza que o assunto merece:

A quem interessa a falta de medicina preventiva e o lucrativo transplante de orgaos?


2 comentários:

Roberto Araújo disse...

Paulo, você tem acompanhado o caso daquela médica que matou pacientes em UTIs de Curitiba? Acha que pode ter ligações com o tráfico de órgãos?

Paulo Pavesi disse...

O Brasileiro tem memoria curta. Em 7 de maio de 1999 foi preso Edson Isidoro Guimaraes, enfermeiro que assassinou mais de 100 pacientes na UTI no Rio de Janeiro. Nenhuma norma foi criada para evitar isto. E agora estamos de volta ao assunto. Nao existe assassinato sem um motivo. Nao acredito que estas pessoas matam um paciente na UTI por matar. O Hospital onde aconteceram as mortes em Curitiba faz transplantes de orgaos. Mas nao vi nenhum depoimento de parentes dizendo que foram abordados para isso.