Desembargadores comprados

Desembargadores comprados

sábado, 14 de maio de 2016

Leia na íntegra a sentença comprada

O desembargador corrupto Flavio Batista Leite reconhece o homicidio, mas ao invez de confirmar a sentença, a anula para benefício dos reus, confirmando assim que foi evidentemente pago para fazer isso. A Desembargadora Karin Emmerich sequer desenvolve o voto e segue o relator pois já estava tudo combinado. O desembargador Wanderley Paiva tem se omitido em favor da máfia.


EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA QUE CONDENOU OS RÉUS PELO DELITO DO § 4º DO ART. 14 DA LEI 9.434/97 (QUE DISPÕE SOBRE A REMOÇÃO DE ÓRGÃOS, TECIDOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE E TRATAMENTO), COMBINADO COM O ART. 29 DO CÓDIGO PENAL (CONCURSO DE PESSOAS) – PRELIMINAR DE OFÍCIO – NULIDADE – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – MATÉRIA AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI – ANIMUS NECANDI NARRADO PELO PARQUET E RECONHECIDO PELO MAGISTRADO – EMENDATIO LIBELLI – POSSIBILIDADE E NECESSIDADE, NESTA INSTÂNCIA REVISORA, DE ORDENAR A APLICAÇÃO DO INSTITUTO – REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA – VEDAÇÃO – RECOMENDAÇÃO – SENTENÇA ANULADA – RECURSOS PREJUDICADOS. 

É do Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e a equivocada capitulação legal dos fatos pelo Ministério Público não desloca a competência para o juiz singular, a quem cabe, em casos tais, proceder à emendatio libelli, ainda que em consequência da aplicação do instituto seja imputado crime mais grave, já que os denunciados não se defendem da capitulação legal, mas, sim, dos fatos narrados na denúncia e apurados durante a instrução. A emendatio libelli pode ser determinada em segunda instância, mesmo quando não arguida por nenhuma das partes, e ainda que em recurso exclusivo da defesa. Neste caso, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus, o Tribunal, na hipótese de recurso contra eventual sentença condenatória, não poderá agravar a situação dos réus (art. 617 do CPP). Sentença anulada, com determinações. V.V. O caso em questão se amolda, em tese, ao tipo penal previsto no art. 14, § 4º, da Lei nº 9.434/97, na primeira hipótese: remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa, sem diagnóstico de morte encefálica a ser constatada e registrada nos moldes da Resolução nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina. Incabível a emendatio libelli, sendo de se rejeitar a preliminar.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0518.13.001937-6/001 - COMARCA DE POÇOS DE CALDAS - 1º APELANTE: SÉRGIO POLI GASPAR - 2º APELANTE: CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI, CLÁUDIO ROGÉRIO CARNEIRO FERNANDES - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - VÍTIMA: P.V.P.

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em, de ofício, ANULAR A SENTENÇA, COM DETERMINAÇÕES, VENCIDO O VOGAL. 

DES. FLÁVIO BATISTA LEITE 
RELATOR.


DES. FLÁVIO BATISTA LEITE (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação interposta por SÉRGIO POLI GASPAR, CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI e CLÁUDIO ROGÉRIO CORDEIRO FERNANDES contra a sentença de fls. 4.516/4.593 que acolheu a denúncia e os condenou nas iras do § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97 (que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento), combinado com o art. 29 do Código Penal (concurso de pessoas).

Em aditamento à denúncia formulada pelo Ministério Público contra José Luiz Gomes da Silva, Álvaro Ianhez e Marco Alexandre Pacheco em razão do suposto homicídio do menor P.V.P., com o fim de remover seus órgãos e submetê-los ao mercado torpe de órgãos, foi imputada aos apelantes a prática do delito do § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97 (se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte).

Segundo o aditamento à denúncia, os acusados, no dia e local dos fatos, “sabedores que a vítima Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, ainda encontrava-se com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte” (sic).

O processo, com intimações regulares, tramitou sem nulidade e culminou com a condenação dos acusados nos moldes requeridos pelo Parquet. 

Pelo delito de remoção de órgãos em pessoa viva, com o resultado morte, Sérgio Poli Gaspar foi condenado às penas de 14 anos de reclusão, no regime inicial fechado, e de 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 2,5 (dois e meio) salários mínimos. 

Pelo mesmo delito, Celso Roberto Frasson Scafi foi condenado às penas de 18 (dezoito) anos de reclusão, no regime inicial fechado, e de 320 (trezentos e vinte) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 3 (três) salários mínimos. 

Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, também pelo mesmo delito, foi condenado às penas de 17 (dezessete) anos de reclusão, no regime inicial fechado, e de 320 (trezentos e vinte) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 3 (três) salários mínimos.

Aos três foi imposta, na sentença, prisão preventiva, que, contudo, restou cassada por esta colenda Câmara em habeas corpus e fixadas medidas cautelares diversas da prisão.

Na sentença ainda foram determinadas diversas providências em relação aos réus e a terceiros, conforme se vê às fls. 4.592/4.593, até mesmo a publicação dela em jornal local, determinação que foi cumprida, consoante os documentos de fls. 4.924/9.927.

Após a sentença, vieram aos autos os documentos de fls. 4.594/4.834 (relatório de investigação policial), cartas precatórias de fls. 4.852/4.864, 5.307/5.329, 5.330/5.332, 5.340, 5.422, 5.443/5.515, 5.529/5.556, carta rogatória de fls. 5.562/5.595, documentos diversos de fls. 4.866/4.876, 4.879/4915, 5.788 (notas taquigráficas da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Corrupção – que apurou, entre outras denúncias, a de tráfico de órgão na comarca de Poços de Caldas), fls. 6.427/6.428, 6.431/6.442, 6.447/6.526 (manifestação e juntada de documentos pelo patrono de Celso Roberto e de Cláudio Rogério), fls. 6.606/6.610 e 6.619/6.620 (manifestação do representante do MP e da PGJ, respectivamente, acerca da manifestação e dos documentos mencionados), fls. 6.650/6.689 (sindicância do CRM/MG) e fls. 6.699/6.769 (sentença dos autos 0518.13.008.236-6). 

Termo de apelação de Sérgio Poli Gaspar à fl. 4.864 e de Celso Roberto Frasson Scafi e de Cláudio Rogério Carneiro Fernandes à fl. 4.877. As razões do primeiro apelo estão acostadas às fls. 4.953/5.080, e as do segundo e do terceiro, às fls. 5.598/5.656. 

Contrarrazões às fls. 5.183/5.227 e 5.709/5.720.

A Procuradoria Geral de Justiça ofereceu parecer opinando pelo improvimento dos recursos (fls. 5.720/5.786).

Às fls. 6.635/6.647, Cláudio Rogério e Celso Roberto requereram a suspensão do processo, alegando existir contradição na acusação do Ministério Público entre a denúncia original (formulada em face dos corréus Álvaro Ianhez, José Luiz Gomes da Silva, José Luiz Bonfitto e Marco Alexandre Pacheco da Fonseca) e o seu aditamento, que imputou aos apelantes o delito aqui apurado. Segundo os apelantes, o julgamento do homicídio (corréus) poderia de alguma forma influir na acusação e no julgamento deste processo. Esse pedido está pendente de decisão e será analisado durante o julgamento deste recurso, sem prejuízo aos réus, conforme se verá.

É, no que basta, o relatório.

Passo ao voto.

Trata-se de apelações interpostas contra a sentença que condenou CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI, CLÁUDIO ROGÉRIO CARNEIRO FERNANDES e SÉRGIO POLI GASPAR nas iras do delito previsto no § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97, praticado contra P.V.P. (menor de idade).

A acusação teve origem em aditamento à denúncia da prática de homicídio qualificado contra a mesma vítima e, em razão de possuir ritos diferenciados, o processo acabou desmembrado. 

Consta na denúncia que no dia 21.4.2000, por volta das 17h30min, os apelantes, “sabedores que a vítima Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 (dez) anos de idade, ainda encontrava-se com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte” (sic).

Pois bem, desde a denúncia, com o enredar dos fatos nos termos da narrativa exordial, os réus tiveram a conduta capitulada no § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97. Processados, foram condenados por esse delito.

Suscito, DE OFÍCIO, preliminar de nulidade da sentença.

O tipo penal em que os apelantes foram denunciados e condenados está assim redigido na Lei 9.434/97:

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: 
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.

Agora, vejamos o dispositivo constitucional que vai implicar, necessariamente, na conclusão de que o crime em testilha jamais pode ter o resultado morte como fim imediato da conduta, isto é, ainda que se vise, mediatamente, à captação de órgãos ou tecidos não se pode admitir a existência de dolo no resultado “morte”:

                       Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
(...)
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
(...)
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

Explico melhor. Sempre que um cidadão age com dolo contra a vida, ou seja, com animus necandi, independentemente do móvel dessa ação (vingança, ciúme, obtenção de qualquer tipo de vantagem, captação de órgão, etc.), a competência para o julgamento desse delito (doloso contra a vida) será sempre do Tribunal Popular.

Não descuido de que há respeitadas jurisprudência e doutrina sustentando que, no delito de roubo, o dolo na morte, mesmo que posterior ao crime de roubo, implica no reconhecimento da conduta tipificada no § 3º, segunda parte, do art. 157 do Código Penal, cuja competência para julgamento é, segundo o entendimento firmado na jurisprudência, do juízo singular. Contudo, em que pese eu ter-me curvado a essa pacífica jurisprudência, intimamente ouso discordar, porquanto a mim me parece, conforme tenho sustentado desde que ingressei nesta egrégia 1ª Câmara Criminal, que tal delito (latrocínio) é eminentemente preterdoloso, ou seja, o resultado que o qualifica deveria ser sempre culposo e, por isso, tal delito inadmitiria tentativa.

E é este o caso dos autos. O delito do § 4° do art. 14 da Lei 9.434/97, assim como o crime do § 3º do art. 157 do CP, é preterdoloso.

Sustentar o contrário, que o crime em testilha abriga o resultado morte mesmo quando ela é dolosa, implicaria, necessariamente, em deslocar a competência para o julgamento desse crime para o Tribunal Popular, por gerência constitucional, garantia da sociedade e dos réus, erigida ao status de cláusula pétrea: a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

O insigne magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci, nessa linha, discorrendo sobre o crime de genocídio, afirma, com a perspicácia que lhe é comum, que “a eleição do foro competente para o julgamento do genocídio deve dar-se conforme a figura típica e, consequentemente, de acordo com o bem jurídico afetado pelo agente” (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas – RT/SP, 4ª Ed., pg. 623).

Nada mais sensato: o bem jurídico vida tem a tutela e a competência para o julgamento definidas pela CF. Por isso, conclui Nucci, “quando se tratar de crime doloso contra a vida (alíneas a e d – no caso de aborto – do art. 1º desta Lei), o juízo constitucionalmente competente é o Tribunal do Júri, nos termos do art. XXXVIII, d, da Constituição Federal” (idem).

Mas, voltando a este caso, não defendo que a melhor alternativa seja capitular a conduta narrada no § 4º do art. 14 da Lei de Transplantes remetendo seu julgamento para o Júri. Não. O que defendo mesmo é que, em casos como o dos autos, ou em casos do § 3º, segunda parte, do art. 157 do CP, existindo dolo para o evento morte, o crime deve ser capitulado no art. 121 do CP, restando os motivos determinantes como circunstâncias do delito (caso do § 4º do art. 14 da Lei de Transplantes) ou mesmo como crimes autônomos (caso do § 3º, segunda parte, do art. 157 do CP).

Não desconheço que, no caso do crime do art. 157 do CP, essa solução, que é a de reconhecer o delito de homicídio em concurso com o de roubo, poderia, em tese, implicar algumas incongruências (como a pena mínima em abstrato do delito único ser maior do que a soma das penas mínimas dos delitos em concurso). Mas isso não vem ao caso. Vou focar no delito em questão, que, absolutamente, não permite tais incongruências em relação à tese que privilegia o mais caro dos bem jurídicos tutelados pelo Direito Penal: a vida. Volto ao tipo:

Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

§ 4.º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: 
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

O § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97 tipifica um crime preterdoloso, que é uma “espécie de crime agravado pelo resultado, no qual o agente pratica uma conduta anterior dolosa, e desta decorre um resultado posterior culposo. Há dolo no fato antecedente e culpa no consequente”. (GOMES, Luiz Flávio, GARCÍA PABLOS DE MOLINA, Antonio. Direito Penal: parte geral. 2. Ed.: RT/SP, 2009 - p. 422.)

O tipo, a meu juízo, tutela, por exemplo, a seguinte situação: um médico, com expressa concordância, submete uma pessoa a uma cirurgia para retirada e posterior transplante remunerado de um de seus rins. Durante a cirurgia, por uma complicação decorrente de negligência do médico, este paciente vem a óbito. Pronto! Neste caso ocorre a perfeita adequação da conduta ao tipo do § 4º do art. 14 da Lei 9.434/97.

De outro lado, se a submissão desse mesmo paciente visa à retirada de seu coração, ou de seus dois rins (é este, em tese, o caso dos autos), está-se, evidentemente, diante de um homicídio, porquanto a retirada de órgão vital sempre implicará, necessariamente, no óbito do paciente.

É dizer, ainda que de forma indireta, pretende-se ou, no mínimo, assume-se o risco do resultado morte. Mas, a bem da verdade, aqui não se pode falar em assunção de risco, porquanto a morte será sempre certa quando de alguém se suprimir o coração, o fígado, os dois rins ou outro órgão vital.

E, no caso dos autos, desde a denúncia, os apelantes responderam e foram condenados porque, “sabedores que a vítima Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 (dez) anos de idade, ainda encontrava-se com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte” (sic).

Ora, se for verdade que os apelantes SABIAM QUE A CRIANÇA ESTAVA VIVA e se, ainda assim, SUBMETERAM-NA À RETIRADA DE ÓRGÃOS VITAIS, LEVANDO-A A ÓBITO, eles agiram com dolo direto para este resultado morte, com evidente e inafastável animus necandi. Não estou a afirmar que eles mataram a criança. Não! Estou dizendo que, se as coisas de fato se deram conforme narrado na denúncia e reconhecido na sentença, que agora anulo, o caso é de crime doloso contra a vida. Mas tudo isso em tese – friso.

Assim, se existiu o animus necandi, tal como reconhecido na sentença, este processo deveria ter seguido o mesmo caminho daquele em que figuram como réus os coautores do homicídio (aqui já aplicando a emendacio libelli) em tese cometido.

Merecem destaques alguns trechos da sentença nos quais o sentenciante reconheceu múltiplas vezes que a ação dos réus foi consciente e, de forma proposital, levou a criança a óbito (animus necandi) quando dela retirou os órgãos (inclusive os dois rins) para posterior inserção no abjeto mercado negro de transplantes (advirto que grifei as partes em que percebi o reconhecimento, pelo douto magistrado, do animus necandi e da coautoria com o homicídio praticado pelos réus José Luiz Gomes da Silva, Álvaro Ianhez e Marco Alexandre Pacheco): 

Ficou evidenciado que a iniciativa para a doação dos órgãos da criança Pavesi partiu do próprio pai, Sr. Paulo Airton Pavesi, tão logo lhe foi comunicado pelo médico e réu no processo do júri, José Luiz Gomes da Silva, suposto neurologista que atendeu a vítima no Hospital Pedro Sanches, que ela estaria em “morte cerebral” (isso às 9h do dia 20/4/2000). José Luiz não perdeu tempo e acionou o médico, e também réu no processo do júri, Álvaro IANHEZ, sendo que a conduta correta seria primeiro confirmar a morte encefálica da vítima, o que não conseguiu. Álvaro IANHEZ, a partir daí, passou a assistir a criança, abandonando qualquer tratamento, para tão somente se preocupar com a retirada dos órgãos da vítima PVP. O pai da criança, em estado de choque, não só consentiu em doar os órgãos, acreditando que seu filho havia falecido (como forma de minimizar a sua perda, que é a maior dor que um ser humano pode suportar, influenciado ainda pela forte campanha de mídia), como ainda - ignorando todos os fatos que ainda viria a descobrir- mandou confeccionar placas de agradecimento aos médicos citados e também ao intensivista e réu José Luiz Bonfitto (os médicos que assinaram o protocolo de morte encefálica da vítima foram José Luiz Gomes da Silva – que nem era neurologista, como comprovado nestes autos - descumprindo mais uma vez a legislação de transplantes- e José Bonfitto, vide fls. 222 e 222-v, vol.1). A autorização para doação foi assinada apenas por um dos pais da vítima e depois do transplante dos órgãos e assassinato da mesma, conforme se vê à f. 170, há rasura na data, pois a autorização foi assinada DEPOIS da retirada dos órgãos.
(...)
Com os desdobramentos do caso, com as notícias que eram veiculadas pela televisão, em rede nacional, tomando conhecimento do contido no IPL n.039/2001 pela Polícia Federal, incluindo prontuários médicos da vítima, o pai desta ficou ciente que seu filho fora na verdade vítima de HOMICÍDIO, no interior do HOSPITAL DA IRMANDADE DA SANTA CASA de Poços de Caldas, fato também constatado e denunciado na CPI DO TRÁFICO DE ÓRGÃOS. Conforme se vê do inquérito e do presente processo, das diversas investigações e auditorias levadas a cabo, na verdade houve ilegalidade no exame clínico que teria detectado a morte encefálica ainda no Hospital Pedro Sanches: não foram feitos os dois exames clínicos (...); o protocolo deveria ter sido interrompido, tendo em vista que a criança recebeu altas doses de medicação depressora do SNC (Sistema Nervoso Central), DORMONID – MIDAZOLAM -, um benzodiazepínico; a arteriografia feita em tal hospital (Pedro Sanches) - sendo ministrados diversos medicamentos hipnóticos, como THIONEMBUTAL e EFEDRINA, para que não se mexesse como relatou o médico e réu Marco Alexandre - apresentou presença de contraste no cérebro, indicando que a vítima ESTAVA VIVA, pela não ocorrência de morte encefálica (SEM ME). Depois disso, o réu, nefrologista e intensivista Álvaro IANHEZ (...) determinou a remoção da vítima para a SANTA CASA (que sequer teve ALTA do Hospital Pedro Sanches) para a RETIRADA DE SEUS ÓRGÃOS (sendo que tudo já estava preparado para tal, o anestesista SÉRGIO POLI avisado e os dois transplantistas, médicos urologistas, CELSO SCAFI e CLÁUDIO ROGÉRIO, além dos demais, membros da equipe de transplantes e outros que nem eram membros, para os implantes nos receptores, que também já aguardavam em outras salas de cirurgia da SANTA CASA, para cirurgias na sequência). Foi simulada a realização de outro exame (2º suposto exame) de ARTERIOGRAFIA ou ANGIOGRAFIA por JEFERSON SKULKI e como para a “Máfia” tudo é exagerado, disseram ainda que foi puncionada agora a veia femural, para o “padrão ouro” , que seria a arteriografia de quatro vasos. O documento denominado “critério recomendado para o diagnóstico de morte cerebral” - que não é o documento preconizado pelo CFM - protocolo, diz à f. 222-v, vol.1, que a arteriografia realizada no hospital Pedro Sanches teria sido realizada no dia 20/4/00 às 20h, sendo que os auditores não encontraram no prontuário médico nem as chapas nem o laudo de tal exame e segundo apontaram, a enfermagem anotou a hora do exame como 18he35min. e a ficha da anestesia consta como 18he30min, sendo um pouco mais confiáveis tais anotações. Aproveitaram mais tarde as chapas da arteriografia do Pedro Sanches para tentarem dizer que seriam as chapas “encontradas” do suposto exame (arteriografia de quatro vasos, supostamente feito na SANTA CASA), MAS QUE NUNCA FOI REALIZADO. Esse médico JEFERSON SKULKI , que afirma que fez tal exame, deveria ter sido também indiciado pela polícia e denunciado pelo MP (além de outros médicos, como a Dra. Mirtes Bertozzi, Regina Cioffi e outros), tanto que mentiu e vem mentindo ao longo dos anos, inclusive caiu em várias contradições quando ouvido pela CPI, motivo pelo qual vou determinar providências quanto ao mesmo ao final. As chapas radiográficas de tal exame (da SANTA CASA) nunca apareceram, bem como o laudo respectivo não estava nos prontuários médicos, conforme a Auditoria do MS. Quando as supostas chapas (em número de sete) apareceram um certo tempo depois, remetidas pela SANTA CASA para a 2a Vara Cível, ficou evidente que se tratava da arteriografia feita no Pedro Sanches, conforme laudo pericial que será apresentado à frente, quando da análise das provas, pois as fotografias mostram o contraste. O laudo foi feito por SKULKI quase um ano depois e este nem se envergonhou com tal fato, mas tal será analisado em detalhes à frente e posteriormente quando se analisar as teses defensivas amiúde. O laudo constante à f. 223, assinado apenas por SKULKI, não constava no prontuário, conforme consta na auditoria 33/00 do DENASUS e diz que o exame foi feito às 13he35min. do dia 21/4/2000, sendo que no documento à f. 222-v, já citado, se tem a anotação 21/4/00 16h.  Jeferson SKULKI disse ao delegado que o exame encerrou-se em torno das 17h (teria sido realizado das 13h às 17h e o técnico de r-x Valdemar Ramos Ferreira disse que o exame se iniciou às 13h e durou de uma hora e meia a duas horas, nunca foi ouvido em juízo e certamente que mentiu também) e que passou o resultado verbalmente, ou seja, não havia laudo algum (que também não foi encontrado no prontuário pelos auditores). Quando SKULKI confeccionou seu “laudo”, unilateralmente e com a data pós datada, certamente que não estava com as chapas, pois o exame, como dito, nunca foi feito. Na CPI, segundo as notas taquigráficas, SKULKI (muito conceituado, segundo a Defesa) disse que a arteriografia se iniciou às 14h e acabou em torno das 16h e disse que teria feito o exame para justificar o exame clínico e que não seria tal exame a determinar se o paciente estava ou não em morte encefálica. Disse, ainda, conforme consta no Relatório da CPI, f. 95, em anexo (apenso 23), que não fez qualquer laudo do exame e que este lhe foi solicitado (por alguém que não soube dizer quem era) 8 meses depois (f.96), justificando que era uma SEXTA-FEIRA SANTA (f.98). Segundo o relator da CPI, Pastor Pedro Ribeiro, as 13h SKULKI nem estaria na SANTA CASA (f.100 do Relatório da CPI, apenso 23)). A ficha de atendimento da vítima indica que a mesma foi admitida na SANTA CASA às 18he13min. do dia 21/4/2000, a ficha de anestesia diz que esta se iniciou às 17he30min. e a cirurgia encerrou-se às 17he40min. A declaração de óbito (f.193) assinada por médico que à época não pertencia aos quadros da SANTA CASA (médico José Luiz Gomes da Silva, posteriormente aos fatos passou a trabalhar também na SANTA CASA), diz que o óbito ocorreu às 19h do dia 21/4/2000. O exagero dos mafiosos é tamanho que têm a coragem de dizer que os plantões dos anestesistas eram feitos com TRÊS ANOS DE ANTECEDÊNCIA! Tudo na SANTA CASA era uma balbúrdia, exceto os plantões dos anestesistas. Mas que organização...Mas nada disso agora tem importância, tudo não passou de engano, mero erro formal, segundo a Defesa e a testemunha JOSÉ ADAILTON! Portanto, conclui-se que a vítima PVP foi morta, assassinada, DENTRO da SANTA CASA e não no Hospital Pedro Sanches, como querem os réus deste processo. A criança estava viva, assim o atestou o próprio réu CELSO SCAFI (“paciente em DDH SEM M.E”, como se vê à f.189; rectius: paciente em decúbito dorsal horizontal sem morte encefálica, depois deu várias versões, seria “em”, “com” ME, acrescentou escritos abaixo, etc.). O anestesista aplicou anestesia geral ETRANE, inalatória (f.188, pois sabia que a vítima estava viva, tanto que a classificou como ASA V)  depois vieram as desculpas, que na época era a classificação existente, que era a classificação conhecida no Brasil, que aplicou apenas o PAVULON, etc. O réu SÉRGIO deveria mostrar outros prontuários para provar que tinha o hábito de escrever anestesia “geral EV (PAVULON)” como se vê à f. 187. O que viu em audiência foi mais uma tentativa de forjar provas, agora testemunhais, quando já se adulteraram documentos, acrescentaram-se outros, conforme se vê nesses autos, sendo esta uma marca registrada desta “Máfia dos Transplantes”.
(...)
A 6ª preliminar à f. 4410, de ausência de justa causa para a ação penal também não sobrevive a uma análise por mais perfunctória que seja. O fato da decisão de pronúncia dizer que há prova da materialidade do delito nos autos originais não conduz à conclusão almejada, se tratando, com todo o respeito, de um sofisma. É POSSÍVEL QUE UM HOMICÍDIO QUALQUER SE INICIE EM UM LUGAR, COM DETERMINADOS AGENTES E TERMINE EM OUTRO, SE EXAURINDO COM A CONDUTA DE TERCEIROS. NO CASO EM ANÁLISE, TODOS OS RÉUS, ORIGINÁRIOS E OS ATUAIS, AGIRAM EM EVIDENTE CONLUIO, COM A ADESÃO DA VONTADE DE UNS COM AS DE OUTROS. Portanto, não há se falar em falta de lógica. Como visto na seção antecedente, havia (há) a ação de uma organização criminosa na SANTA CASA, diversos réus trabalhavam (trabalham) em ambos os hospitais, vários casos suspeitos envolvendo transplantes foram investigados (há inclusive condenação, envolvendo dois dos réus desse processo). É FATO QUE A VÍTIMA, A CRIANÇA P.V.P, CHEGOU VIVA À SANTA CASA, NÃO FOI FEITA NENHUMA ARTERIOGRAFIA ALI, NEM DE “MIL VASOS”, TAL FATO NÃO ESTÁ PROVADO NESSES AUTOS (BEM AO CONTRÁRIO) E A VÍTIMA VEIO A ÓBITO DEPOIS QUE ÓRGÃOS VITAIS LHE FORAM VILMENTE EXTIRPADOS. NÃO POSSO ENTRAR NO MÉRITO DA AÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JÚRI, MAS ALI, OS SRS. JURADOS TERÃO QUE DECIDIR SE OS PRIMEIROS RÉUS PRATICARAM UMA TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU PARTICIPARAM (DE QUALQUER MODO) NO HOMICÍDIO QUE ACABOU ACONTECENDO NÃO NO HOSPITAL PEDRO SANCHES, FRISE-SE, MAS NO HOSPITAL DA IRMANDADE DA SANTA CASA. NÃO SE TEM DUAS ACUSAÇÕES PARA UMA SÓ MORTE (HOMICÍDIO) E SIM A PARTICIPAÇÃO OU CO-AUTORIA (CONCURSO DE AGENTES). Nestes autos se julga a conduta de três réus por crime previsto na legislação extravagante e naqueles autos, delito contra a vida, de competência exclusiva do Tribunal do Júri, uma não exclui a outra. 
(...)
A materialidade do delito está consubstanciada no IP às fls. 24/1794, na denúncia às fls. 12/23, pela instrução processual, tanto na Justiça Federal, quanto na Estadual, pelos relatórios das auditorias, especialmente às fls. 31/56, pela declaração de óbito da vítima (f.323), prontuários médicos da vítima às fls. 86/118 e outros, pelo relatório da CPI (apenso 23), demais documentos e depoimentos juntados aos autos que comprovam que a vítima teve seus órgãos retirados pelos réus para fins de transplante, mas SABIAM OS RÉUS QUE A MESMA ESTAVA VIVA, CAUSANDO-LHE, ASSIM, A MORTE.
(...)
Funcionava mais ou menos assim (modus operandi da organização), conforme visto nos outros casos citados e mesmo neste: o paciente entrava na Santa Casa – hospital referência na sub-região - (era internado), ficava na enfermaria geral, por quanto tempo o organismo resistisse (praticamente à míngua), mesmo que seu estado fosse grave, geralmente sob os cuidados de um neurologista ou outro médico qualquer (pouco importava, desde que mantidos os órgãos funcionando, pacientes traumatizados, geralmente com TCE ou AVC); quando ficava “bom para UTI” (ou seja, quase morto ou já em morte encefálica), era internado no CTI - para melhor monitorar o funcionamento dos órgãos de interesse do grupo – especialmente rins e córneas – mas também coração e fígado (que eram “doados” para colegas do Estado vizinho de SP ou remetidos para Belo Horizonte); no CTI, os intensivistas, urologistas e neurologistas “declaravam a morte encefálica” do paciente, que de paciente vivo, tornava-se “doador cadáver”, momento que se transformava em objeto (se é que já não era antes, desde que entrava no “esquema criminoso”) e tinha seu corpo repartido, de acordo com os interesses dos médicos, ou melhor, dos criminosos que se diziam “médicos”. A quadrilha fazia tudo para dar “aspectos de legalidade” aos seus atos criminosos, mas os rastros começaram a aparecer, pois depois de um tempo ficaram mais descuidados, como soy acontecer. Esqueciam de preencher corretamente o protocolo de morte encefálica (“critério recomendado...”), usavam modelos defasados, não aguardavam os intervalos determinados, esqueciam de fazer constar nos prontuários a retirada de medicamentos depressores, etc. Tinham o cuidado de manter os prontuários “descuidados”, pois assim dificultariam futuras investigações. Não assinavam ou colocavam o carimbo ou o CRM, faziam rasuras, deixavam de anotar condutas. Ainda assim, tudo faziam para convencer os pobres familiares a efetivar a doação dos órgãos, aproveitando da fragilidade que estavam acometidos pela perda recente de um ente querido. O plano parecia perfeito e os lucros eram cada vez maiores e com um plus: o reconhecimento social. (fls. 3695/3696 do vol.15 dos presentes autos).
(...)
ISSO NÃO ISENTA OS RÉUS DE SUAS RESPONSABILIDADES PELOS SEUS ATOS E OMISSÕES PRATICADOS QUE LEVARAM A CRIANÇA PAVESI À MORTE DA PIOR FORMA POSSÍVEL. É só se colocar no lugar do outro: imagine seu filho sendo repartido, vivo, ainda que fosse para ajudar outros (mas se sabe que a intenção visada sempre foi tão somente o lucro desmedido, a qualquer custo). SEM OS ATOS ANTERIORES NÃO SE CHEGARIA AOS ATOS FINAIS QUE TIRARAM A VIDA DA VÍTIMA. A VÍTIMA, COMO NENHUMA OUTRA PESSOA, NÃO MORREU VÁRIAS VEZES, COMO QUEREM AS DEFESAS, POIS, COMO SE SABE, SÓ SE MORRE UMA VEZ . Mesmo que se queira dizer, que pode ocorrer “morte clínica”, morte cerebral, morte encefálica, parada cardíaca e respiratória, tais ocorrências nada mais são (ou poderiam ser) etapas para a morte, seja em qual conceito for, médico, filosófico ou religioso e tais conceitos mudam. Até mesmo entre os médicos não há unanimidade sobre o tema “morte encefálica”, muito ao contrário. Fugiria muito ao caso digressões mais aprofundadas sobre tais temas, razão pela qual serão anexados ao final alguns estudos da lavra de Cícero Galli, doutor e expert no assunto. Ficaremos nos fatos e no que consta dos autos e é ai que “o bicho pega”. Por isso, nada há de “inusitado” no aditamento à denúncia, que nada mais fez que corrigir alguns erros e omissões, propositais ou não, diga-se. Pelos eventos já narrados nos “pressupostos” tudo indica que as omissões não foram tão inocentes ou derivadas de mera interpretação, como poderia parecer. Mas isso também foge ao objetivo agora em tela. Antes de analisar as provas subjetivas (testemunhais) até por serem mais frágeis, necessário o exame das afrontas à lei, ao seu decreto regulamentador, bem como às resoluções do CFM, por parte dos réus, deste e do outro processo, sem entrar no mérito do último, afeto ao Júri, como vem fazendo ostensivamente e indevidamente os nobres defensores.
(...)
Conforme venho demonstrando à saciedade -e ainda o farei por diversas vezes- NÃO HOUVE a realização de arteriografia de quatro vasos na SANTA CASA ou em qualquer outro local provando que a vítima tenha chegado morta no hospital, indicando a sua ME, o que pode ser comprovado pela falta das chapas, do laudo (provados pelas auditorias e ouvida dos auditores, diversas vezes), das discrepâncias nos horários (demonstrado inclusive na ouvida de JEFERSON SKULKI na CPI e em audiências, outras testemunhas, o laudo forjado continha horário diferente do que indicou SKULKI, nenhuma pessoa presente no centro cirúrgico viu os médicos manipulando exames).  (...) A base das Defesas (com pés de barro) se escora neste suposto exame (de quatro vasos), de modo a livrar os réus de suas responsabilidades de retirarem órgãos de uma pessoa viva, causando-lhe a morte, como sustenta a ilustre Acusação. Esta é a tese do MPE, que não se coaduna com o entendimento equivocado do Procurador ADAILTON (MPF), já amplamente enfocado. Este magistrado entende que a tese correta é do Ministério Público Estadual (MPE), esposada pela primeira vez pelo digno Promotor de Justiça JOAQUIM JOSÉ, razão pela qual a condenação dos réus, como disse, é de rigor, sendo uma obrigação que não tenho como fugir, dadas as extensas provas carreadas aos autos. 
À Polícia Federal, o médico disse que escreveu “com” e que aquilo parece um “sem” porque sua letra seria “muito feia”. Consultado por CartaCapital, o perito Sebastião Edson Cinelli comparou a descrição com outras anotações feitas por Celso Scafi no mesmo documento e garantiu que ali está escrito “sem” e não “com” ME (veja a reprodução acima). Se Paulinho estivesse mesmo sem morte encefálica, estaríamos diante de um homicídio. (Destaquei).
(...)
Concluiu o parquet, com maestria, este tópico: Todavia, em que pese a opinião do MPF, ficou demonstrado de forma robusta, após a instrução probatória no processo originado pelo oferecimento da denúncia retromencionada, que o menino Paulo Veronesi Pavesi ainda estava vivo quando encaminhado para a cirurgia de extração de seus órgãos, e que a alegação defensiva do Celso Scafi de equívoco quanto ao registro “DDH -sem ME” não foi convincente.(f.4339, memoriais do MP, destaques originais). 
(...)
Que, fez as seguintes anotações, conforme consta na f. 89: “paciente admitido para tratamento intensivo proveniente do ambulatório, foi puncionado veia periférica em membro superior direito, passado sonda vesical de demora, instalado O2 por máscara contínua, feito sutura na região frontal pela Dra. Leda, em seguida às 15:10 foi encaminhado à tomografia, retornou às 16h, PACIENTE ATENDENDO AOS COMANDOS VERBAIS, apresentando pupila esquerda midriática medicado conforme prescrição”. (f. 1475 do vol.6).
No que interessa ao deslinde do feito, vê-se que a situação da vítima não era tão grave como as Defesas dos réus quiseram fazer crer. O paciente estava falando, deambulando e atendia aos comandos verbais quando chegou ao hospital. O fato de uma das pupilas estar “midriática” é normal em casos de queda onde se bate a cabeça e tal estado poderia ser revertido ou nem mesmo se instalar se tivesse tido bom atendimento desde o início. Vê-se de seu prontuário, que houve demora no atendimento e demora na tomografia. Do outro depoimento da testemunha em fase judicial às fls. 2082/2084 se depreende um dos motivos na piora do estado da criança, qual seja, a interferência de ALVARO IANHEZ no atendimento de PVP, somente interessado nos órgãos da vítima para transplante, o que contou com o beneplácito e consentimento dos demais médicos que ainda ajudaram. 
(...)
Não foram somente os “erros” eventuais ou os problemas com o preenchimento dos prontuários ou falta de preenchimento. Não deve ser esquecido que tudo ficaria encoberto se não fosse a exorbitante cobrança da “conta” do hospital Pedro Sanches. Os médicos ainda sairiam como “heróis” (“tentaram de tudo”, “não possível salvar a criança”), a cirurgia ruinosa, a arteriografia idem, o atendimento de IANHEZ, a falsa arteriografia de quatro vasos, tudo ficaria escondido, tanto que receberam placas. Ninguém nunca ficaria sabendo que não houve outra arteriografia, que SCAFI (com a ajuda de seu fiel escudeiro CLÁUDIO) confirmaria que a vítima estava sem morte encefálica e foi operada e morta sob anestesia geral aplicada por POLI GASPAR, que a classificou como paciente moribundo com perspectiva de morte em 24h (ASA V), que teve todos os órgãos removidos (não apenas rins e córneas), sem necropsia, que só havia autorização de um dos pais, que havia uma lista própria organizada por uma central clandestina e que havia venda de órgãos disfarçada de doação, que vários pacientes foram mortos do mesmo jeito. Depois não haveria a operação “abafa”, as negativas, as fraudes nos prontuários, as ameaças. Foi o “conjunto da obra”, os demais casos suspeitos envolvendo transplantes (constantes da AUDITORIA n. 33/00, cujas Defesas nem mesmo citaram direito), dos contundentes depoimentos dos médicos auditores do MS, EDWARD LADISLAU e FLÁVIO AZENHA, dentre outras tantas testemunhas. Foi o exame clínico feito em vítima hipotérmica e massivamente sedada, anestesiada e medicada. Foi a falta do 2º exame clínico. Foi o exame feito por profissional não habilitado (a lei exige que seja ao menos um neurologista). Foi a falta de autorização de ambos os pais. Foi pelo fato do protocolo não ter sido interrompido, quando o protocolo do CFM diz que se há resposta sim à hipotermia e resposta sim ao uso de depressores do SNC, o protocolo TEM QUE SER INTERROMPIDO. Foi a simulação de realização de exame complementar de arteriografia, tão somente para retirar os órgãos e tecidos para posterior transplante (com a vítima ainda viva), para fins monetários e aumento nas estatísticas para inflar o ego dos médicos transplantistas e conseguir mais verbas federais. A vítima não estava nem mesmo morta “do ponto de vista clínico” no hospital Pedro Sanches. Chegou viva ao hospital da SANTA CASA DE MISERICÓRDIA (que nunca teve dó de nenhum paciente ali). ALI FOI VILMENTE ASSASSINADA. A lei, ora, às favas com a lei. Resolução do CFM, ora, os médicos disseram que não precisam saber seu conteúdo (inclusive o réu SÉRGIO escandalizou os deputados com suas afirmações e deboches, é só examinar o apenso 23).

Houve sim a tipicidade, houve sim a REMOÇÃO ILEGAL E ASSASSINA DE QUASE TODOS OS ÓRGÃOS DA VÍTIMA (não apenas rins e as córneas - que são tecidos - como se verá quando se analisar a exumação do cadáver, realizada anos depois).  O ANESTESISTA SABIA QUE A CRIANÇA ESTAVA VIVA OU TINHA A OBRIGAÇÃO DE SABER. Sem a sua participação não haveria cirurgia. Deveria, na melhor das hipóteses, ter se negado a participar e contribuir para a trama macabra, sendo que todos confiavam na impunidade, tanto que quase conseguiram, foram traídos por um mero detalhe (sempre os detalhes): a conta superfaturada, do guloso e ganancioso, Dr. Lucas Neto, do hospital Pedro Sanches, que deitou tudo a perder. A Máfia ganhava várias vezes com o mesmo procedimento, faturava em cima de tudo e de todos.

COM CERTEZA QUE A PARTICIPAÇÃO DE SÉRGIO NÃO SE DEU DE FORMA CULPOSA E SIM DOLOSA, COMO JÁ AFIRMADO, FICANDO A “NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO” (F. 4451) DESPROVIDA DE MAIORES ARGUMENTOS, POIS O RÉU ESTAVA LÁ, PARTICIPOU DA REMOÇÃO DOS ÓRGÃOS QUE CAUSOU A MORTE DA VÍTIMA, NÃO HÁ COMO NEGAR O ÓBVIO, CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS. 
(...)
Todos agiram para o mesmo fim, conseguir o maior lucro possível com a morte da vítima, a vontade de um, aderiu à vontade dos outros. A conduta de SÉRGIO teve sim relevância causal, pois se não tivesse agido, como agiu, não haveria a remoção dos órgãos, como já dito. 
(...)
(...), já no caso de Paulo Pavesi foram retirados os órgãos logo após a neuroangiografia (...) (fls. 418/421, vol.2, depoimento confirmado em juízo, por precatória). Como afirmado pelo representante ministerial, tal depoimento, a par de estarrecedor do que já vinha ocorrendo há anos na SANTA CASA (sem misericórdia), fortalece e comprova “(...) verdadeiros e terríveis acontecimentos ocorridos nos dias em que Paulo Pavesi ficou ao alvitre” dos denunciados e aditados (CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI, CLÁUDIO ROGÉRIO CARNEIRO FERNANDES e SÉRGIO POLI GASPAR), como está à f. 4354.
(...)
Os documentos já maquiados, encaminhados por SÉRGIO LOPES, sendo encaminhados por BENEDITO NICOTERO ao Procurador José Jairo, estão às fls. 425/452 e nos apensos 24 e 25 estão devidamente demostradas as suas inconsistências: é ridículo ver a descrição da cirurgia feita pelo aditado CLÁUDIO à f. 442v (local inadequado, verso da folha) e dá para ver claramente à f. 435 no local correto (descrição do ato cirúrgico) uma descrição feita pelo aditado CELSO SCAFI (onde se vê “paciente em DDH sem M.E) e depois da assinatura o que o réu constou DEPOIS, com outra caneta, a tentativa canhestra de consertar o que o seu inconsciente entregou: a vítima estava VIVA. 
(...)
Das “conclusões”, inclusive citadas pelas Defesas, de “que a causa da morte foi PROVAVELMENTE TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO CONTUNDENTE” (com este destaque mesmo), como se vê à f. 1036, não passa disso . Ou seja, se trata de uma mera probabilidade. Além disso, se levou em conta a história, que relata queda de uma área de lazer do prédio residencial. O TCE acabou levando a vítima às mãos de seus algozes e à morte dentro da SANTA CASA. Tal volume que vai até a f.1280, praticamente se esgota com a exumação, especialmente com os anexos fotográficos, com páginas e páginas. Muita gente ficou com medo da exumação, mas o avançado estado de decomposição dos restos, que praticamente só continha as partes duras, garantiu a aparente tranquilidade dos envolvidos no crime.

O laudo pericial às fls. 1766/1767 do vol.7 só poderia mesmo concluir que os SETE FILMES RADIOGRÁFICOS de um crânio humano são compatíveis com as fotografias da exumação do cadáver, porque se trata DAS SETE CHAPAS da ARTERIOGRAFIA FEITAS NO PEDRO SANCHES, aprendidas no processo da 2ª VARA CÍVEL (processo contido no APENSO 31), como já indiquei. As fotografias às fls. 1768/1774 inclusive denotam a presença do CONTRASTE (o paciente NÃO ESTAVA EM MORTE ENCEFÁLICA), o que prova que É MESMO O EXAME DE ARTERIOGRAFIA FEITO NO PEDRO SANCHES. Por tal razão as doutas Defesas silenciaram quanto ao laudo mencionado, só ficando em alegações vazias, sem ênfase ou invocando aspectos meramente formais. (...)  As chapas do “RAIO-X” vistas pelo ilustre Procurador ADAILTON foram as chapas da arteriografia feita no PEDRO SANCHES (se é que viu) e estas, decididamente, INDICAVAM QUE A VÍTIMA, A CRIANÇA PVP, ESTAVA MAIS VIVA que muitos por aqui (...).
(...)
A transcrição da CONCLUSÃO do ilustre RMP à f. 4365 (p.57) se faz mais uma vez, necessária por absolutamente correta, convencendo este magistrado da culpabilidade dos réus, que não são inocentes, como está devidamente provado no processo:

Assim, conclui-se que os réus CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI, CLÁUDIO ROGÉRIO CARNEIRO FERNANDES e SÉRGIO POLI GASPAR cometeram o delito tipificado no art. 14, § 4º da Lei 9.437/97 ao iniciarem os procedimentos cirúrgicos para a retirada de órgãos em criança viva, baseando-se em diagnósticos não condizentes com a realidade, aderindo à conduta criminosa anteriormente perpetrada por Álvaro Ianhez, José Luiz Gomes da Silva, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e José Luiz Bonfitto.
(...)
Provadas, portanto, as autorias por parte dos réus aditados, da mesma forma que a materialidade, sendo todos responsáveis pela retirada de órgão da vítima, ainda viva, causando-lhe a morte, por via de consequência. 
(...)
DOSIMETRIA DAS PENAS
(...)
A) SÉRGIO POLI GASPAR
1. Quanto à culpabilidade, verifica-se que o grau de reprovabilidade do delito é elevado, extrapolando os limites da normalidade, haja vista que o réu, fazendo uso de sua profissão de médico anestesista, ajudou a remover os órgãos (rins) e tecidos humanos (córneas) de uma criança, sem mostrar nenhuma preocupação com a infeliz vítima ou sua família, tendo plenas condições de entender o caráter ilícito de sua conduta; não procurou saber se o protocolo de morte encefálica foi corretamente produzido; (...); não examinou se havia ou não exame arteriográfico que comprovasse a morte, anestesiando-a e permitindo, assim, a ação dos outros réus (...); vítima não contribuiu para a prática do delito, pois se um paciente em situações menos dramáticas já fica à mercê dos médicos, imagine uma criança de 10 anos, sem nenhuma defesa, dopada por um coquetel de remédios e depressores que lhe deixaram em coma induzida premeditadamente para facilitar a consumação do crime sem levantar maiores suspeitas. Vai ficar com as penas um pouco abaixo dos demais, pois teve um rasgo de humanidade ou lampejo de sua consciência e anestesiou a vítima para que sofresse um pouco menos.
(...)
B) CELSO ROBERTO FRASSON SCAFI
1. Quanto à culpabilidade, verifica-se que o grau de reprovabilidade do delito é muito elevado, entendia perfeitamente bem o caráter ilícito de suas condutas, extrapolando os limites da normalidade, haja vista que o réu, fazendo uso de sua profissão de médico, removeu órgãos humanos em desacordo com disposição legal, levando-a à morte, sabendo que estava VIVA, sem mostrar nenhuma preocupação com a infeliz vítima ou sua família, acreditava que sairia impune sendo cunhado do Secretário de Saúde do Município e amigo de outros políticos; operou ainda a vítima JDC, matando-a, quando a SANTA CASA não mais tinha AUTORIZAÇÃO para fazer TRANSPLANTES, não mostrou qualquer arrependimento, ao contrário, sempre foi arrogante, acreditando na impunidade; tal juízo reprovativo não é apenas inerente ao próprio tipo penal, eis que retirou os rins e possivelmente outros órgãos da vítima, uma criança, que estava viva e sob efeito de depressores do SNC; o crime é vil, abjeto, repartindo uma pessoa para vender seus órgãos, como tinha conhecimento; seu subconsciente o traiu e escreveu que a vítima NÃO ESTAVA EM morte encefálica, pois não houve exame de ARTERIOGRAFIA na SANTA CASA; 
(...)
C) CLÁUDIO ROGÉRIO CARNEIRO FERNANDES
1. Quanto à culpabilidade, verifica-se que o grau de reprovabilidade do delito é elevado, extrapolando os limites da normalidade, não sendo meramente inerentes ao tipo penal, sabia bem o que estava fazendo e o porquê, haja vista que o réu, fazendo uso de sua profissão de médico cirurgião urologista, removeu órgãos humanos de uma vítima, sabedor que a mesma estava viva; não examinou o protocolo de morte encefálica, sendo que não foi feito o exame complementar obrigatório, sem mostrar nenhuma preocupação com a infeliz vítima ou sua família; operou irregularmente vários doadores.

Pois bem, conforme se vê, o magistrado reconheceu que os médicos, ora apelantes, tinham plena consciência de que a criança estava viva e que, em coautoria com os corréus que foram pronunciados (autos atualmente com o número 3153005-91.2014.8.13.0024), anestesiaram-na e a submeteram à cirurgia para a retirada de órgãos e tecidos (entre eles, os dois rins), o que teria culminado na sua morte.

A sentença evidencia a mais não poder que o convencimento do honrado juiz foi de ter havido um delito doloso contra a vida da criança.

Por diversas vezes ele afirmou isso, e a firmou mais, disse que “NO CASO EM ANÁLISE, TODOS OS RÉUS, ORIGINÁRIOS E OS ATUAIS, AGIRAM EM EVIDENTE CONLUIO, COM A ADESÃO DA VONTADE DE UNS COM AS DE OUTROS”.

E, indo mais além, o ilustre colega asseverou que, no caso, NÃO SE TEM DUAS ACUSAÇÕES PARA UMA SÓ MORTE (HOMICÍDIO) E SIM A PARTICIPAÇÃO OU CO-AUTORIA (CONCURSO DE AGENTES)”, pois “É POSSÍVEL QUE UM HOMICÍDIO QUALQUER SE INICIE EM UM LUGAR, COM DETERMINADOS AGENTES E TERMINE EM OUTRO, SE EXAURINDO COM A CONDUTA DE TERCEIROS”.

Então, data vênia, não consigo compreender como o sentenciante, tão perspicaz e conhecedor deste caso e dos outros tantos que compõem a trama investigada, não tenha captado o que me parece inarredável: a necessidade de se proceder à emendatio libelli para dar a devida adequação típica aos fatos apurados nestes autos.

Mas, provavelmente, o esgotamento desse operoso magistrado, que está à frente de tantos outros processos, igualmente complexos e volumosos, que envolvem a investigação da intitulada “Máfia dos Transplantes”, ocasionou o lapso.

Também o fato de ele ter se convencido de forma inflexível da responsabilidade dos réus, uma vez que instruiu todo o processo e tomou contato íntimo com todas as provas, certamente o fez cometer o deslize, que agora percebi, e que eiva de nulidade a tão bem escrita sentença, que, data vênia, deveria ter retificado a capitulação legal dada aos fatos narrados e apurados, para, então, mediante o livre convencimento motivado, absolver, impronunciar ou pronunciar os réus, submetendo o julgamento deles, neste último caso, ao Tribunal do Júri. 

Previsto no artigo 383 do Código de Processo Penal, o instituto da emendatio libelli permite que o juiz (ou o Tribunal), sem modificar a descrição do fato contida na peça acusatória, altere a classificação ali formulada. 

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

E, no presente caso, conforme já visto, a denúncia descreveu a conduta dos apelantes da seguinte forma: os acusados, “sabedores que a vítima Paulo Veronesi Pavesi, então com 10 anos de idade, ainda encontrava-se com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte” (sic).

Ora, se a conclusão que consta na sentença é no sentido de que a remoção incluiu órgãos vitais e que, “ao iniciarem os procedimentos cirúrgicos para a retirada de órgãos em criança viva, baseando-se em diagnósticos não condizentes com a realidade, aderindo à conduta criminosa anteriormente perpetrada por Álvaro Ianhez, José Luiz Gomes da Silva, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e José Luiz Bonfitto”, os apelantes agiram “causando-lhe a morte, por via de consequência”, restará inarredável a necessidade de se aplicar o instituto da emendatio libelli, para tipificar o crime que se apura como delito doloso contra a vida, simples, privilegiado ou qualificado (circunstâncias que não posso aqui antecipar), conforme entender o juízo sumariante.

E este mesmo juízo, ao retificar a capitulação, deverá, então, emitir juízo sumário absolutório ou de prelibação para impronunciar ou pronunciar os réus, ainda que, em consequência da nova capitulação, tenha que imputar crime com pena mais grave. Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, I E IV DO CP. EMENDATIO LIBELLI. NARRATIVA ABRANGENTE QUE PERMITE OUTRA ADEQUAÇÃO TÍPICA. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. QUALIFICADORAS. 

I - Se da análise da exordial acusatória é possível concluir pela ocorrência de circunstância qualificadora, ainda que não tenha sido, até então, expressamente consignada na denúncia, pode o magistrado, ao proferir a decisão de pronúncia, incluí-las, sem que isto signifique prejuízo à ampla defesa. 

II - Motivação objetiva, nos limites do iudicium accusationis, abordando-se os aspectos da existência do delito e de indícios de autoria, bem como quanto às qualificadoras, não pode ser considerada como insuficiente a ensejar nulidade da r. decisão de pronúncia. (Precedentes). Recurso especial desprovido. (REsp 784.673/AL, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 02/10/2006, p. 306)

E, definitivamente, não há de se falar em impossibilidade de se determinar a emendatio libelli nesta instância. Também nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISO II, C/C ART. 14, INCISO II, DO CP. PRONÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI (ART. 383, CPP).

PRISÃO CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. PREJUDICADO. 

I - A descrição contida na exordial acusatória permite a imputação do fato previsto no tipo legal do art. 121, § 2º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, do CP, razão pela qual a decisão proferida pelo e. Tribunal a quo se enquadra na hipótese do art. 383, do CPP (emendatio libelli). Por isso, não há que se cogitar de nulidade do v. acórdão increpado, pois, como é cediço, o acusado se defende do fato criminoso que lhe é imputado, i.e., da descrição fática contida na denúncia, e não dos dispositivos legais com que ele é classificado na inaugural de acusação. II – (omissis). (HC 70.435/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/06/2007, DJ 10/09/2007, p. 262)

E relativamente à eventual alegação de que não se poderia retificar a capitulação pelo fato de a tese não ter sido levantada pelo Ministério Público, que não apelou, nem pela defesa, tenho que não há nenhum problema, desde que, num eventual julgamento pelo Tribunal Popular, seja mitigada a pena máxima que poderá ser imposta, porque só a defesa se insurgiu contra a sentença (vedação da reformatio in pejus indireta), respeitando-se, como limite máximo a ser cominado, o quantum lançado na sentença que anulo.

Assim, deverá o juízo a quo proferir outra decisão em conformidade com a competência constitucional, que restou ignorada. E quem prolatará a nova decisão será o mesmo juízo, já que a 1ª Vara Criminal da Comarca de Poços de Caldas também é o juízo sumariante nas causas em que se apuram delitos dolosos contra a vida. E a sentença que anulo não tem o condão de afastar a competência do magistrado, pois ela não é outra coisa que não uma sentença com excesso de linguagem, naquilo que diz respeito à análise dos elementos de cognição; noutra parte, no que diz respeito à condenação e à imposição de pena, é peça juridicamente inexistente, porquanto, nessa parte, foi prolatada por juízo absolutamente incompetente. 

Em casos de excesso de linguagem, outra solução não tem sido dada pelos Tribunais Superiores, senão a devolução dos autos à instância e ao juízo de origem, para que outra decisão seja proferida, ou mesmo para que os réus sejam diretamente submetidos ao julgamento popular, com o só “envelopamento” da sentença que foi excessiva em linguagem. Estes são casos julgados pelo STJ, que tem mantido a decisão, determinando apenas que o magistrado a desentranhe dos autos, e, desde logo, submeta os pronunciados ao julgamento popular, com apenas a menção dos delitos nos quais sua conduta restou capitulada pela decisão nula. Confiram-se os arestos:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. DESENTRANHAMENTO DA DECISÃO. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. JÚRI DESIGNADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) Ao determinar a submissão do réu a julgamento perante o Conselho de Sentença, o Magistrado não pode externar posicionamentos incisivos e considerações pessoais em relação ao acusado, nem se manifestar de forma conclusiva sobre a acusação ou rechaçar tese da Defesa, a ponto de influenciar na valoração dos Jurados, sob pena de subtrair do Júri o julgamento do litígio. In casu, a magistrada que encerrou o iudicium acusationis foi categórica em afirmar a autoria do paciente, incorrendo em inequívoco excesso de linguagem capaz de influenciar os jurados que irão compor o Conselho de Sentença. (...) Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar ao Juízo da Comarca de Igarassu/PE que providencie o desentranhamento da decisão de pronúncia dos autos, vedando o acesso e a divulgação de seu conteúdo aos jurados, mandando certificar a condição de pronunciado do paciente, com a menção dos dispositivos legais nos quais está incurso. (HC 309.816/PE, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 11/03/2015) Grifei.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO. TRIPLO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO QUE JULGOU O RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OCORRÊNCIA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. DESENTRANHAMENTO DO ACÓRDÃO. ARQUIVAMENTO EM PASTA PRÓPRIA. CERTIFICAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA EX OFFICIO. I – e II (omissis) III - Paciente pronunciado pela suposta prática do crime tipificado no art. 121, § 2º, I e IV, combinado com o art. 29, por 3 (três) vezes, na forma do art. 69, todos do Código Penal. IV - Alegação de nulidade do acórdão que negou provimento ao recurso em sentido estrito. V - Integrando o procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a pronúncia corresponde à decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Conselho de Sentença. Referida decisão encerra, portanto, simples juízo de admissibilidade da acusação, não se exigindo a certeza da autoria do crime, mas apenas a existência de indícios suficientes da autoria e prova da materialidade, imperando, nessa fase final da formação da culpa, o brocardo in dubio pro societate. VI - O magistrado deve expor os motivos que o levaram a, por exemplo, manter eventuais circunstâncias qualificadoras descritas na denúncia, fazendo-o, contudo, de forma comedida, sob pena de caracterização de excesso de linguagem capaz de influir no posterior convencimento dos jurados. O mesmo raciocínio estende-se à 2ª instância. VII - In casu, o Tribunal a quo, ao julgar o recurso em sentido estrito interposto pela Defesa, durante a análise dos indícios de autoria, usurpou competência exclusiva do Tribunal do Júri, valendo-se de expressões peremptórias, reveladoras de convicção acerca da autoria do delito, que excedem os limites legais, incorrendo em evidente eloquência acusatória. VIII - O fato de o art. 478, I, do Código de Processo Penal vedar, sob pena de nulidade, que as partes façam referências à decisão de pronúncia ou às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação como argumento de autoridade, seja para beneficiar, seja para prejudicar o réu, não afasta a possibilidade de os jurados serem influenciados pelo excesso de linguagem contido no ato impugnado, ante as disposições dos arts. 472, parágrafo único, e 480, § 3º, do Diploma Processual Penal. IX - Desse modo, "Reconhecido o excesso de linguagem no acórdão que confirmou a sentença de pronúncia, é vedado entregar aos jurados, após prestarem juramento, cópia da referida peça processual, sob pena nulidade do julgamento pelo Conselho de Sentença" (HC 193.734/SP, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 21.06.2013). Adotada tal providência, em consonância com os preceitos do art. 563 do Código de Processo Penal, não existirá prejuízo efetivo capaz de justificar o reconhecimento da nulidade pretendida. X - Assim, não obstante o reconhecimento do excesso, em homenagem ao princípio da economia processual e tendo em vista que os jurados formam o seu livre convencimento com base na prova contida nos autos, impõe-se determinar que o Juízo de primeiro grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, determinando seja certificado nos autos a conclusão do julgamento. XI - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar que o Juízo de 1º grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, mandando certificar nos autos a condição de pronunciado do Paciente, com a menção dos dispositivos legais nos quais incurso, prosseguindo-se no andamento do processo. (HC 184.522/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 25/04/2014) Grifei.

Neste caso, contudo, eu não teria como assim proceder, uma vez que o magistrado a quo não procedeu à retificação da capitulação, mesmo tendo reconhecido de forma clara e evidente que se convenceu da materialidade e da autoria (deveria ter se limitado a reconhecer indícios da autoria) de crime doloso contra a vida. Assim, se eu adotasse esse entendimento do STJ, seria inviável a determinação de submissão imediata dos apelantes ao Tribunal do Júri, uma vez que eles, se porventura forem pronunciados, terão direito a recurso próprio.

Digo “se eu adotasse o entendimento”, porque a mim me parece mais precisa a posição do Pretório Excelso, que tem anulado essas decisões do STJ, mas, no mesmo sentido delas, tem mantido a competência do juízo que proferiu a sentença excessiva em linguagem. Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. ANÁLISE DAS RAZÕES DA IMPETRAÇÃO PARA VERIFICAR A POSSIBILIDADE DE CONCEDER A ORDEM DE OFÍCIO. TRIPLO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO – ART. 121, § 2º, I E IV. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL A QUO QUE RECONHECEU O VÍCIO DE EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO DO RECURSO EM SENTIDO. DESENTRANHAMENTO E ENVELOPAMENTO DO ATO VICIADO. IMPOSSIBILIDADE. ANULAÇÃO, COMO CONSECTÁRIO LÓGICO. 1. O excesso de linguagem posto reconhecido acarreta a anulação da decisão de pronúncia ou do acórdão que incorreu no mencionado vício; e não o simples desentranhamento e envelopamento da respectiva peça processual, sobretudo em razão de o parágrafo único do artigo 472 do CPP franquear o acesso dos jurados a elas, na linha do entendimento firmado pela Primeira Turma desta Corte no julgamento de questão semelhante aventada no HC n. 103.037, Rel. Min. Cármen Lúcia, restando decidido que o acórdão do Superior Tribunal de Justiça “... representa não só um constrangimento ilegal imposto ao Paciente, mas também uma dupla afronta à soberania dos veredictos do júri, tanto por ofensa ao Código Penal, conforme se extrai do art. 472, alterado pela Lei n. 11.689/2008, quanto por contrariedade ao art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Constituição da República”. 2. In casu, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu no acórdão proferido nos autos do recurso em sentido estrito qual o excesso de linguagem apto a influenciar o ânimo dos jurados; todavia, em vez de anular o ato judicial viciado, apenas determinou o seu desentranhamento, envelopamento e a certificação de que o paciente estava pronunciado. 3. Habeas corpus extinto, por ser substitutivo de recurso ordinário; ordem concedida, de ofício, para anular o acórdão proferido nos autos do recurso em sentido estrito, a fim de que outro seja prolatado sem o vício do excesso de linguagem. (HC 123311, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 13-04-2015 PUBLIC 14-04-2015)

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO ANTES DA DEVOLUÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS, MAS DEPOIS DE ESCOADO O PRAZO FIXADO PARA O SEU CUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. É possível o afastamento da Súmula 691 desta Corte, se verificada a ocorrência de flagrante ilegalidade que possa repercutir na liberdade de locomoção do paciente. Tanto a antiga redação do art. 408, quanto o atual art. 413 (na redação dada pela Lei 11.689/2008), ambos do CPP, indicam que o juiz, ao tratar da autoria na pronúncia, deve limitar-se a expor que há indícios suficientes de que o réu é o autor ou partícipe do crime. Todavia, o texto da pronúncia afirma que o paciente foi o autor do crime que lhe foi imputado, o que, à evidência, pode influenciar os jurados contra o acusado. Em casos como esse, impõe-se anulação da sentença de pronúncia, por excesso de linguagem (HC 93.299, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe de 24.10.2008). Por outro lado, ficou esclarecido que o prosseguimento da instrução ocorreu após o término do prazo conferido para o cumprimento das cartas precatórias expedidas para a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, o que está de acordo com o disposto no art. 222, §§ 1º e 2ª, do Código de Processo Penal. Habeas corpus parcialmente concedido, para anular a sentença de pronúncia. (HC 99834, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15/02/2011, DJe-049 DIVULG 15-03-2011 PUBLIC 16-03-2011 EMENT VOL-02482-01 PP-00024)

Portanto, o caso é de retorno dos autos à instância e ao juízo de origem, para que outra decisão seja proferida, seja para absolver sumariamente os denunciados, impronunciá-los ou pronunciá-los.
E, atento à possibilidade de pronúncia, penso ser prudente determinar a medida de cautela que o STJ tem adotado, para que se evite que os jurados sejam influenciados pela sentença, posto que eles devem tomar decisões com base na prova dos autos e nas suas íntimas convicções. Assim, deverá a sentença nula ser envelopada e anexada na capa do volume de que for desentranhada. 
Posto isso, DE OFÍCIO, ANULO A SENTENÇA e determino que os autos retornem ao juízo a quo para que se proceda à emendatio libelli, capitulando-se o delito como crime doloso contra a vida, na conformidade dos termos narrados pela exordial acusatória, observadas as circunstâncias, as consequências, os motivos e tudo o mais que o Ministério Público tiver aduzido e que possa influir na capitulação, para, então, absolver sumariamente, impronunciar ou pronunciar os acusados.

Determino ainda que, com o retorno dos autos à instância a quo, seja desentranhada a sentença e, também, riscados deste acórdão todos os trechos que fazem referência a ela. 

Determino ainda que, na publicação deste acórdão, sejam suprimidos os trechos da sentença anulada.
Por fim, esclareço que deixo de me pronunciar sobre eventual DESAFORAMENTO do feito desde logo (porque podia fazê-lo de ofício) em razão de o desaforamento do julgamento dos corréus (José Luiz Gomes da Silva, Álvaro Ianhez e Marco Alexandre Pacheco) ter sido motivado exclusivamente diante de possível suspeição dos jurados, nunca do magistrado. Aliás, esta 1ª CACRI já rejeitou exceção de suspeição oposta contra o juiz.

Assim, se acontecer de o colega pronunciar os réus, e se houver recurso, analisarei, a tempo e modo, eventual possibilidade de desaforamento.




DES. WANDERLEY PAIVA (REVISOR) -

Nos termos do contido no §2º do art.547 do RITJMG, conforme já me pronunciei em outros feitos relativos ao mesmo caso, envolvendo as mesmas partes, dou-me por impedido de atuar no presente.

DESA. KÁRIN EMMERICH (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).



DES. EDISON FEITAL LEITE
Rogando vênia aos argumentos trazidos pelo nobre colega, ouso divergir dos termos do voto condutor, entendendo não ser o caso de se declarar, de ofício, a nulidade da sentença, e assim o faço pelos seguintes motivos:

Saliento que, como se verá adiante, o rebate à preliminar suscitada, inevitavelmente, em alguns pontos se confunde com a análise do mérito recursal, o que fica aqui ressalvado.

Com efeito, entende o nobre colega Relator que a melhor alternativa para o caso sub judice é a recapitulação da conduta narrada no § 4º do art. 14 da Lei de Transplantes, com a consequente remessa do julgamento para o Júri.

Destaca o judicioso voto que, no caso dos autos, desde a denúncia, os apelantes responderam e foram condenados porque, sabendo que a vítima Paulo Veronesi Pavesi ainda se encontrava com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte. 

Ressalta que, se era sabido que a vítima estava viva, “(...) eles agiram com dolo direto para este resultado morte, com evidente e inafastável animus necandi”, sendo o caso dos autos de crime doloso contra a vida, cuja competência constitucional para o julgamento é do júri popular. 

Pois bem. Passo à análise da provas dos autos.

Ao longo dos anos, viu-se como de fundamental tema, principalmente à luz dos Direitos Humanos, a necessidade de criação de leis para fomentar a doação de órgãos, sobretudo diante dos avanços da biotecnologia e de seus grandes benefícios, mas também efeitos negativos, como um mercado negro altamente lucrativo.  

O primeiro diploma legal a tratar do tema, a Lei nº 4.280/63, permitia em seu texto tão somente a doação de córneas do falecido, isso através de manifestação positiva e por escrito do titular, em vida, ou do consentimento do cônjuge ou parente até o segundo grau, ou ainda do consentimento das corporações religiosas ou civis das quais o de cujus fazia parte e que seriam responsáveis pelo destino dos despojos.

Revogando a Lei nº 4.280/63, adveio a Lei nº 5.749/68, permitindo, além da doação post mortem, a possibilidade de o indivíduo, absolutamente capaz, dispor de tecidos e órgãos, inclusive do corpo vivo. 

Atento à ineficácia daqueles diplomas legais para o aumento na oferta de doação de órgãos, o legislador constituinte disciplinou no art.199, §4º, da CR/88, que a lei iria dispor sobre as condições e os requisitos que facilitassem a remoção de órgãos, tecidos ou substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, o processamento e a transfusão de sangue e seus derivados, proibindo qualquer tipo de comercialização. 

Logo após, em 1992 e 1993, vieram respectivamente a Lei n. 8.489 e o Decreto n.879, regulamentando o texto constitucional e determinando que se a pessoa não se manifestasse em vida pela doação, poderia a família autorizá-la de forma verbal, não sendo ainda a malsinada norma suficiente para estimular o recrudescimento no número de doações.

Editada a Lei nº 9.434/97, regulamentada pelo Decreto 2.268/97, atualmente em vigor, passou-se a permitir a doação em vida e post mortem.

Na doação post mortem, a lei trouxe como condição sine qua non para a retirada dos tecidos, órgãos e partes do corpo do falecido, o diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos pela Resolução n. 1.480/97, do Conselho Federal de Medicina.

A par disso, tem-se que a mesma Lei nº 9.434/97 trata do transplante de órgãos e tecidos, autorizados na forma do artigo 3º, com o diagnóstico da só morte encefálica, independentemente da continuidade da atividade respiratória e circulatória.

Portanto, ao se declarar a morte encefálica, permite-se a retirada de órgãos e tecidos, a lei de transplantes não fala na morte clássica, mas do término da vida humana biológica.

Logo, esta lei não alterou o conceito de morte do Direito Penal, que se refere à morte jurídica e ao consequente fim da personalidade. Com essa lei é possível declarar o término da vida humana biológica, e não a morte jurídica, a qual só ocorre com a cessação concomitante e irreversível da atividade encefálica, respiratória e circulatória.

Segundo o Conselho Federal de Medicina em sua Resolução nº 1.480, editada em 8 de agosto de 1997, a morte encefálica é definida como sendo “a parada total e irreversível das funções encefálicas”.

A Lei de Transplante regulamentada pelo Decreto nº 2.268/97, por sua vez, adotou tal conceito como sendo a condição essencial para a retirada de órgãos e tecidos do cadáver para fins de transplante.

Assim está redigido o artigo 16 do aludido decreto: “a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo poderá ser efetuada no corpo das pessoas com morte encefálica”.

Deste modo, como nos ensina Ana Claudia Pirajá Bandeira:

É importante verificar que a Lei fala em morte encefálica, e não em morte cerebral. Embora muitos autores não façam distinção dos significados dessas palavras, confundindo uma com a outra, há de esclarecer-se que cérebro (córtex) é o centro cortical e subcortical que condiciona a vida intelectiva e é a sede da vida sedentiva. Com a morte do cérebro, continuam as funções vegetativas, em especial, a função cardiorespiratoria. Assim, o individuo sobrevive em condições vegetativas. Quando morre o encéfalo, cessam todas as atividades do cérebro e do sistema nervoso central, atingindo a estrutura encefálica. Assim, o ser humano deixa de existir. (BANDEIRA, Ana Cláudia Pirajá. Consentimento no Transplante de Órgãos: à luz da Lei n.9434/97 com alterações posteriores. Curitiba: Juruá, 2001, p. 97).

Diante disto, analisando os autos e levando-se em consideração as circunstâncias de direito que margeiam a quaestio vexata, entendo que não pode e não deve esta instância julgadora agasalhar a nulidade suscitada no voto inaugural.

É que, pelo que consta dos autos, o esquema criminoso envolvendo profissionais da medicina só foi descoberto - e depois confirmado pelas auditorias do Ministério da Saúde e investigações policiais subsequentes, bem como pela CPI do tráfico de órgãos, que tramitou no Congresso Nacional - pelo pai da vítima, ao receber a conta do Hospital Pedro Sanches, ocasião em que verificou a cobrança dos procedimentos relativos ao transplante e que deveriam ficar a cargo do Sistema Único de Saúde.

Cabe aqui destacar que a Lei nº 9.434/97, que dispõe sobre Transplante de Órgãos, e o Decreto nº 2.268/97 que a regulamenta, estabelecem que a retirada de órgãos somente poderá ser efetuada com a morte encefálica e confirmada por dois médicos, devendo ao menos um deles ser neurologista, segundo os critérios clínicos e tecnológicos definidos pelo Conselho Federal de Medicina.

Além disso, nenhum desses médicos que atestaram a morte poderá integrar a equipe que realizará o transplante, justamente a fim de evitar que estes profissionais acelerem o diagnóstico pensando no sucesso da implantação de órgãos do futuro cadáver em um receptor vivo.

O procedimento preconiza ainda que, diagnosticada a morte encefálica, o médico responsável deverá comunicar à família, que poderá solicitar a presença de um médico de sua confiança. Por sua vez, o hospital deve comunicar à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos de sua respectiva unidade de Federação (artigo 18 do Decreto nº 2.268/97).

Segundo o Conselho Federal de Medicina, nos pacientes com suspeita de morte encefálica, devem ser realizados os exames clínicos para a efetiva comprovação da morte, inclusive eletroencefalograma e arteriografia cerebral. Após seis horas, esses exames devem ser repetidos e, aí sim, o diagnóstico será confirmado e lícito será o transplante. Tal orientação é adotada mundialmente, sendo, portanto, indiscutível sua necessidade.

Infelizmente, o que se descobriu foi que houve irregularidade no exame clínico que teria detectado a morte encefálica ainda no Hospital Pedro Sanches (para onde a vítima foi imediatamente levada após sofrer a queda), eis que não foram feitos os dois exames clínicos para o diagnóstico de morte cerebral com o intervalo previsto no Protocolo do Conselho Federal de Medicina (Resolução nº 1.480/97). 

E não é só isso. Conforme se depreende da análise dos autos, o protocolo para a realização da retirada de órgãos deveria ter sido interrompido, eis que a vítima recebeu altas doses de medicação depressora do sistema nervoso central – Dormonid – e a arteriografia realizada no Hospital Pedro Sanches indicou a presença de contraste no cérebro, demonstrando que não havia ocorrido a morte encefálica e, portanto, a vítima estava viva.

Após tais fatos, tem-se que o réu Álvaro Ianhez, que não era neurologista, tampouco servidor público, mas sim nefrologista e intensivista, e integrante da equipe de transplante, descumprindo a legislação pertinente, em especial a Lei nº9437/97, o Decreto nº 2268/97 e a Resolução nº1480/97, determinou, à revelia de qualquer norma legalmente prevista, a remoção da vítima para a Santa Casa de Misericórdia. Curiosamente, nesse nosocômio, tudo estava preparado para a cirurgia de transplante: Sérgio Poli e os dois transplantistas, Celso Scafi e Cláudio Rogério, bem como os demais membros da equipe e terceiros, que sequer faziam parte desta, estavam a postos, sendo que os receptores dos órgãos também já aguardavam em outras salas de cirurgia no mesmo hospital. 

É preciso observar ainda o registro de que a primeira arteriografia – da qual os auditores não encontraram no prontuário médico as chapas ou o laudo - teria sido realizada no Hospital Pedro Sanches no dia 20/04/2000 às 20 horas, entretanto, o pai da vítima foi informado antes de sua morte cerebral, às 9 horas da manhã do mesmo dia 20/04/2000. A prova dos autos indica que houve a simulação de um segundo exame de arteriografia, denominada “padrão ouro” (quatro vasos), que nem mesmo corresponde àqueles preconizados pelo Conselho Federal de Medicina. Mais tarde, tentou-se dizer que as chapas da arteriografia do Hospital Pedro Sanches eram aquelas relativas ao exame supostamente feito na Santa Casa, o de quatro vasos. Não se pode olvidar que o médico Jeferson Skulki, que teria sido o responsável pelo exame que nunca foi apresentado, caiu em contradição por várias vezes quando ouvido pela CPI. Enfim, as chapas do segundo exame de arteriografia, que teria sido feito na Santa Casa para constatação da morte cerebral da vítima, nunca foram apresentadas, e sequer os laudos respectivos estavam no prontuário médico. Portanto, não existe nos autos prova científica que comprove a morte encefálica exigida legalmente para possibilitar o transplante. 

Ao final, tem-se que a ficha de atendimento da vítima indica que ela foi admitida na Santa Casa às 18h13 min do dia 21/04/2000, a ficha de anestesia diz que esta se iniciou às 17h30min e a cirurgia encerrou-se às 17h40 min. A declaração de óbito (fls.193), assinada por médico que, à época, não pertencia aos quadros da Santa Casa, declinou que o óbito ocorreu às 19 horas do dia 21/04/2000. Conclusão irrefragável: não se tratou de mero erro formal no preenchimento dos dados na documentação do hospital - são fatos e não suposições - a prova dos autos indica que a vítima estava viva, conforme se comprova por ocasião de sua admissão no Hospital Pedro Sanches antes de sua remoção para a Santa Casa, para onde foi levada para cirurgia ainda viva e morreu após a retirada dos órgãos vitais (dois rins). 

Deve ser observado ainda que o documento de autorização para doação (fls.198/199) foi assinado apenas pelo pai da vítima, contrariando frontalmente o disposto na Lei nº 9.434/97, e mais, teve a data rasurada (uma vez que registrada depois da retirada ilegal dos órgãos). Enfim, conclui-se que os pais da vítima não receberam diagnóstico de morte encefálica no Hospital Pedro Sanches. Pelas provas carreadas para os autos, conclui-se que os réus elaboraram falso diagnóstico clínico para comprovar a falsa morte encefálica e não seguiram os protocolos determinados pela lei de transplantes, eis que, uma angiografia ruinosa, feita prematuramente, não constatou a morte encefálica, já que houve contraste indicando atividade cerebral. Com a admissão da vítima na Santa Casa de Misericórdia, determinada por um dos integrantes da equipe de transplante, Álvaro Ianhez, é que começou a ser executada a segunda parte do plano, ou seja, levar o potencial doador até a Santa Casa, onde seria monitorado, mantido vivo e, posteriormente, morto na sala de cirurgia em consequência da retirada de órgãos essenciais. 

Tudo o que os réus queriam provar é que a vítima já estava morta no momento em que os órgãos foram retirados, mas a prova dos autos indica que a vítima foi viva para a mesa de cirurgia e morreu em razão da retirada dos órgãos essenciais. 

Do que consta nos autos não há prova de que os medicamentos ministrados à vítima causaram a sua morte. Há sim, indícios de que tais medicamentos possibilitavam a manutenção da vida da criança para conservação dos órgãos em funcionamento para posterior retirada e “doação”. A criança foi dopada com altas doses de Dormonid e outros medicamentos igualmente eficazes para depois ser submetida à retirada de seus órgãos, procedimento que, obviamente, ceifou sua vida covardemente. 

Diante do que foi narrado, segundo as provas dos autos, a vítima, ao dar entrada após acidente no Hospital Pedro Sanches, estava viva e foi de lá transferida por um dos integrantes da equipe de transplante, Álvaro Ianhez, para a Santa Casa, onde, dando seguimento ao plano dos réus, foi forjada sua morte encefálica para retirada dos órgãos que foram posteriormente transplantados, não obedecendo o regramento legal. Entendo que sem os atos anteriores não se chegaria ao resultado final de morte trágica e intencional da vítima. Tem-se que no caso dos autos houve dolo na conduta de levar a criança viva até a sala de cirurgia e dolo também no ato de retirada de seus órgãos para posterior transplante em outros pacientes. 

Pela importância, frise-se que a condição essencial para a remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano, é a constatação da morte encefálica, conforme reiteradamente citado neste voto, sob os critérios exigidos pelo Conselho Federal de Medicina, que não foram observados.

Confira-se o que dispõe o artigo 7º, parágrafo único, da Lei nº 9434/97:

Art. 7º: No caso de morte sem assistência médica, de óbito ou em decorrência de coisa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necropsia.

Portanto, tendo sido retirados os órgãos da vítima que ainda estava viva, pois não se comprovou a morte encefálica nos termos exigidos, os réus agiram em desconformidade com tal preceito e cometeram o delito tipificado no artigo 14 da Lei nº 9434/97.

Segundo as provas, a vítima foi removida do Hospital Pedro Sanches para a Santa Casa por um dos integrantes da equipe de transplante e lá mantida viva para preservação dos órgãos. Comprovado também está nos autos que a morte da vítima, como dito, se deu em razão da retirada de órgãos essenciais. 

O exame clínico de constatação da morte encefálica foi mascarado pela massiva administração de medicamentos, em especial, depressores do sistema nervoso central, sendo necessário, àquela ocasião, quando a vítima ainda não havia sido removida para a Santa Casa, que o protocolo fosse suspenso, pois a arteriografia revelou circulação sanguínea no cérebro. 

Em outras palavras: a criança saiu viva do Hospital Pedro Sanches, foi transferida para a Santa Casa viva por determinação de um dos réus, e, até o transplante, permaneceu viva, vindo a falecer após a retirada de seus órgãos essenciais (dois rins), que foram posteriormente transplantados em outros pacientes. 

É certo, portanto, repito, mais uma vez, que a vítima foi mantida viva pelos réus com o único objetivo de manter vivos os órgãos essenciais para posterior retirada. Os documentos, em especial o exame realizado no Hospital Pedro Sanches, comprovam que a vítima ainda estava viva quando foi levada para a mesa de cirurgia e com a retirada de órgãos vitais, veio a falecer. 

Examinando os autos, não encontro elementos para amparar a pretensão de anulação ex officio da sentença, com determinação ao juízo a quo para que se proceda à nova capitulação do crime como doloso contra a vida. 

Inspirado pelo ilustre e saudoso colega, Desembargador Walter Luiz, a quem tenho a honra de suceder, não podemos nos afastar da realidade que nos cerca:

“(...) Pela importância, registro que ninguém melhor que o juízo da causa, que tem contato direto com a realidade da comarca onde tramitou o feito, o réu, vítima e testemunhas, para perceber, nas entrelinhas do processo, a realidade dos fatos que estão sob seu exame. De modo que, para o caso dos autos, perfeitamente cabível a condenação do acusado nos moldes da sentença ora combatida.
(...)
É a realidade que determina ao Poder Judiciário não esquecer que presta serviço à sociedade. Sua atuação deve ser pautada no que melhor atende ao meio social em que convive e jurisdiciona. Os fundamentos adotados pelo julgador devem ser prestigiados, porquanto, exercendo suas funções no distrito da culpa, tem percepção privilegiada acerca da repercussão do delito no seio da comunidade (...).” - Apelação Criminal 1.0261.14.004972-5/001 -  Relator Des. Walter Luiz - Órgão Julgador: 1ª CÂMARA CRIMINAL. Data de Julgamento: 17/11/2015 - Data da publicação da súmula: 27/11/2015.

Isto tudo digo para destacar que, ao meu entendimento, não se trata de hipótese de emendatio libelli para dar a devida adequação típica aos fatos apurados nestes autos. O caso em testilha se amolda ao tipo penal previsto no art.14, §4º, da Lei nº 9.434/97 na primeira hipótese: remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa, sem diagnóstico de morte encefálica a ser constatada e registrada nos moldes de Resolução nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina.

Fiel a estas considerações e tudo o mais que dos autos consta, divergindo do ilustre colega Relator, voto pela rejeição da preliminar suscitada de ofício.

SÚMULA: "DE OFÍCIO, ANULARAM A SENTENÇA, COM DETERMINAÇÃO AO JUÍZO A QUO PARA QUE PROCEDA À EMENDATIO LIBELLI, CAPITULANDO-SE O DELITO COMO CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA, NA CONFORMIDADE DOS TERMOS NARRADOS PELA EXORDIAL ACUSATÓRIA, OBSERVADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, AS CONSEQUÊNCIA, OS MOTIVOS E TUDO O MAIS QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TIVER ADUZIDO E QUE POSSA INFLUIR NA CAPITULAÇÃO, PARA, ENTÃO, ABSOLVER SUMARIAMENTE, IMPRONUNCIAR OU PRONUNCIAR OS ACUSADOS, VENCIDO O VOGAL.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paulo, o que podemos esperar de sério em sermos obrigados a assistir a um BANDO DE MARGINAIS, PILANTRAS, SAFADOS, COVARDES, VAGABUNDOS, FACÍNORAS, CANALHAS julgando ELEMENTOS DA MESMA LAIA? SÓ IMUNDÍCIES!!! Forte abraço Sgt EB Luciano Silva